A cama de casal foi a primeira coisa que olhei no quarto.
Dois lugares, dois. Duas pessoas dormindo num mesmo lugar. Um lugar, duas
pessoas ou uma só. Nunca me imaginei nessa situação. Dividir a cama com alguém,
mesmo que fosse apenas por dividir mesmo. Não sabia o que pensar.
Muito mais
do que eu, Clarice estava exausta. Se jogou na cama, bem parecido com o que eu
tinha feito pouco tempo depois.
- Vou dormir um pouco, tá? Tô muito cansada. Mas não precisa
ficar aqui. Vai andar por aí, tem lugares legais por aqui perto. Logo eu
levanto também.
- Não, de boa. Vou esperar aqui, continuar lendo. Te espero.
- Você que sabe. – Disse ela tirando os tênis, e ainda de
meia, se deitando do lado direito da cama.
Ainda não
tinha coragem de deitar ao lado dela, até cheguei a sentar na beira da cama,
mas preferi esperar. Fui para a poltrona do quarto e fiquei olhando para ela,
velando por seu sono. Os olhos ainda estavam inchados e vermelhos de tanto
chorar, se tornando o ponto que mais chamava a atenção no seu rosto. Os cabelos
estavam mal penteados, transparecendo todo o estado de desespero que ela tinha
vivido naqueles últimos momentos.
Demorou
pouco para ela apagar de vez. Continuei mantendo nela todos meus olhares. Em
uma das poucas fugas, percebi que da bolsa dela caía uma caixinha. Me pareceu
cigarros, mas não acreditava que uma menina tão bonita e tão doce pudesse
fumar. No meu mundo, fumar era coisa de desvirtuados, de perdidos. Fui até a
bolsa, peguei. Era mesmo uma carteira de cigarros. Olhei com certo nojo para a
caixa, mas com piedade para ela. As duas coisas não combinavam, não mesmo.
Voltei para
a poltrona, com os cigarros na mão. Pensei em falar com ela, mas não tinha
intimidade o suficiente para isso, mesmo tendo que dormir ao seu lado em algumas
horas. Se ela fumava, não poderia ser tão ruim assim. Abri a caixa, peguei um e
decidi experimentar. Procurei na bolsa dela um isqueiro, lógico que teria.
Achei, acendi a ponta com as mãos meio trêmulas e coloquei na boca. Aquela
fumaça toda me sufocou logo na primeira tragada. Meu olhos arderam e o gosto da
nicotina me deu ânsia de vômito. Tomado pelas tosses, fui para o banheiro
apagar aquilo.
Lavei meu
rosto, enxaguei a boca e devolvi o isqueiro e os cigarros na bolsa dela. Não
era pra mim. Voltei para a poltrona e de novo, a coloquei em meu campo de
visão. Sem perceber, dormi. Acordei já era noite. As luzes acessas, a cama
vazia. Assustei com a possibilidade de Clarice ter se arrependido de tudo e ir
embora. Escutei barulho de água no banheiro, fui procurar. Bati a mão na
maçaneta e a porta não se abriu. Estava trancada.
- Acordou? – gritou ela, debaixo do chuveiro
- Aham, acabei dormindo também. E aí, melhorou?
- Descansei. Deu pra relaxar. Nossa, a água está ótima! Você
devia entrar depois!
- É, preciso mesmo.
- Vamos sair pra comer? Já tô com fome de novo. – Me convidou
Clarice. Agora sim começava minha viagem.
- Beleza, tô te esperando aqui.
Ela saiu do
banho. De toalha abriu a porta sorrindo e passou por mim. O cheiro da sua pele,
ainda com a fragrância do sabonete invadiu minhas narinas e arrepiou meu corpo.
Eu estava cada vez mais enfeitiçado por ela. No banho essa cena voltou aos meus
pensamentos muitas vezes, aguçando ainda mais minhas sensações. Uma vontade
extra-humana me invadiu, acabei me tocando. Depois fiquei envergonhado, pensei
no que tinha feito, era estranho, não faria de novo.
Saí do
banheiro, ela já estava pronta, me esperando. Um blusinha de alças, bem casual
combinando com um jeans meio gasto. Nos pés um all star de cadarços brancos que
estavam encardidos. Me vesti rapidamente e saímos para comer.
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