terça-feira, 16 de julho de 2013

DIA 08

Esse turbilhão de sentimentos e acontecimentos que eu relatei até agora podem dar a sensação de que a viagem já estava chegando ao fim. Mas não, haviam se passado apenas 4 horas, um quarto do trajeto. A intensidade com que eu vivi cada segundo desses primeiros momentos da minha aventura poderiam encher ainda mais páginas, só que como leitor que também sou, sei da impaciência de ficar estacionado em apenas um fato. Além do mais, o que mais de importante aconteceu dentro do ônibus eu já contei, restando apenas um fato que narrarei agora.
            Depois da fatídica conversa a viagem se transformou em algo extremamente cansativo e chato. A minha vontade de chegar ao destino final era imensa, assim como as dores que se apossavam do meu corpo. A impossibilidade de acontecer algo entre eu e Clarice também me tirou todo interesse nela. Qualquer movimento ou um simples suspiro que antes seriam dignos de total atenção e admiração, agora passavam quase imperceptíveis aos meus olhos.
            Ela ainda buscava manter alguma conversa, puxava um assunto de vez em quando e eu respondia tudo por educação. Em uma dessas tentativas ela me perguntou o porquê eu estava viajando assim, sozinho, fora de época. Perguntou também se eu conhecia alguém na cidade, onde iria ficar, o que iria fazer lá. Essas coisas comuns que todo mundo pergunta sobre viagens. Não falei muita coisa, apenas que me deu vontade, que não tinha um grande interesse. Disse também que já estava até arrependendo, me perguntando se valeria a pena. Querendo me animar, ela falou da cidade, me contou que já tinha ido outra vez e que lá era lindo. Me contou cada detalhe dos passeios com o namorado.
Lógico que isso deixou a conversa ainda mais insuportável. Nesse ponto fiz questão de mostrar total desinteresse, até ensaiei alguns bocejos. Com o tempo ela foi percebendo o que eu queria transmitir e aos poucos o silêncio pairou entre nós. A noite também se aproximava e a escuridão ia invadindo o ônibus, me camuflando entre os filetes de luz que vinham das lâmpadas acessas no teto.
Não conseguia dormir, mesmo fazendo força para isso. Queria olhar para o céu, admirar as estrelas que na estrada ficam muito mais bonitas, mas eu estava na fileira do corredor. Ao meu lado, Clarice também não pregava os olhos e desfrutava da vista que eu tanto queria. Algumas poucas vezes ela se virava para ver se eu dormia e rapidamente eu fechava os olhos para não dar oportunidade dela puxar algum assunto.
Acreditando que eu dormia, ela não se controlou e começou a chorar. As lágrimas desciam rapidamente, trazendo junto alguns pequenos soluços. Mesmo frustrado com a situação, não consegui ver aquela cena sem sentir compaixão. Uma menina tão linda não merecia derramar uma lágrima sequer. Queria por tudo saber o que se passava. Ensaiei falar alguma coisa, quem sabe até oferecer um abraço. Confesso que até hoje não entendi o porquê não fiz isso, mas o fato é que simplesmente fechei os meus olhos e tentei dormir. Acabei conseguindo.

Acordei com a Clarice me chamando. Já era manhã e estávamos na rodoviária de Búzios. Enfim tinha chegado.  O medo e ansiedade voltaram ao meu corpo. O fato de ter passado meus últimos momentos ao lado dela dormindo e saber que não a veria mais também amargurava meu coração. Me arrependi de a ter ignorado durante a viagem, mesmo sabendo que não teria nenhuma chance com ela. Uma criatura tão doce e tão bela jamais voltaria a cruzar meu caminho outra vez. Agora já era tarde, não dava mais tempo para tudo isso. Agradeci a Clarice por ter me acordado, ajeitei minha roupa, peguei a mochila e desci do ônibus.

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