O frio que tomava minhas entranhas já
tinha se espalhado por todo meu corpo. A sensação de vê-la se aproximando era
tão intensa que alguns momentos me faltou ar. Senti o colchão ceder ao meu
lado, me arrepiei todo. Ela sentou, olhou para mim:
- Tudo bem? Se for te incomodar eu posso dormir lá na
cadeira, é grande mesmo. – perguntou ela, já sabendo a minha resposta.
- Lógico que não, tá doida? Tranquilo, deita aí. – respondi me
concentrando ao extremo para não deixar transparecer meu nervosismo.
- Então tá! – Completou já se deitando. Senti o corpo dela se
apoiar todo sobre o colchão, deformando-o levemente. A sensação daquele encontro
na porta do banheiro voltou com uma força ainda mais brutal. O cheiro da sua
pele incendiava cada centímetro do meu corpo, atiçando minha imaginação e
embriagando meus sentidos. Um fervor antagônico ao friozinho ansioso que eu
sentia antes dela se deitar ia tomando conta de mim. Olhei para ela
disfarçadamente buscando captar mais um motivo para alimentar meu desejo, e assustei
ao ver que ela me encarava. Tinha nos lábios um sorriso travesso, o que a
deixava ainda mais linda.
- Tá nervosão, né? – Falou gargalhando. – Dá pra ver! Você tá
com uma expressão muito tensa.
- E...eu? Não, que...isso. Impressão sua! – Minha negativa
acompanhada dessa irritante gagueira involuntária fez Clarice aumentar ainda
mais o volume das risadas.
- Aí! Consegue nem falar! Calma, não vou te morder! – Disse entre
as gargalhadas
- Hãm... pior. Tô nervoso mesmo...é que nunca deitei com uma
menina. – Respondi admitindo a situação e constrangido pelo fato íntimo que essa
afirmação revelava. Ela percebeu o meu embaraço e subitamente parou de rir.
Achou minha mão por debaixo dos cobertores, agarrou-a e disse:
- Olha, tá tudo bem. Eu não queria te constranger com isso,
desculpa. É que você ficou tão fofo nervoso! Me desculpa! – Confesso que essa
frase mexeu muito comigo. Reviveu minhas esperanças e me fez soltar um sorriso.
Sem o que responder, apenas olhei para ela, num sinal de que tinha aceitado as
desculpas. Ela apertou minha mão antes de soltá-la.
- Além disso, você tá sendo um anjo comigo! Quem em sã
consciência daria moral para uma louca como eu? Olha o tamanho do trabalho que
estou te dando, ainda dormindo aqui de graça?
- Não é trabalho, Clarice, já te falei. Adoro sua companhia.
Na verdade você está me fazendo um favor de ficar comigo – Quando acabei de
falar percebi que ela me olhava com uma ternura até agora inédita. Se não era
pretensão minha, confesso que também havia um pingo de admiração ali.
- Porque todos os homens não são assim, hein? Sorte de quem
ficar contigo. – Cada segundo que se passava eu ficava mais envergonhado. Não
era acostumado a receber elogios, muito menos de meninas. Além disso, ela
falava com uma doçura que me fazia dar vida às minhas ilusões.
- Boa noite! Qualquer coisa me avisa tá? Pode acordar – Falou
ela encerrando a conversa. Antes de deitar novamente, ela se aproximou e me deu
um beijo no rosto. Ao se afastar, deu mais um daqueles sorrisos encantadores.
Ajeitou o travesseiro e se enfiou embaixo das cobertas. Eu ainda fiquei um
tempinho sentado, me deliciando com o toque suave de sua boca. Olhei para o
lado ela já estava deitada. Me virei também e desliguei a luz.