quarta-feira, 31 de julho de 2013

DIA 12 - parte II


O frio que tomava minhas entranhas já tinha se espalhado por todo meu corpo. A sensação de vê-la se aproximando era tão intensa que alguns momentos me faltou ar. Senti o colchão ceder ao meu lado, me arrepiei todo. Ela sentou, olhou para mim:
- Tudo bem? Se for te incomodar eu posso dormir lá na cadeira, é grande mesmo. – perguntou ela, já sabendo a minha resposta.
- Lógico que não, tá doida? Tranquilo, deita aí. – respondi me concentrando ao extremo para não deixar transparecer meu nervosismo.
- Então tá! – Completou já se deitando. Senti o corpo dela se apoiar todo sobre o colchão, deformando-o levemente. A sensação daquele encontro na porta do banheiro voltou com uma força ainda mais brutal. O cheiro da sua pele incendiava cada centímetro do meu corpo, atiçando minha imaginação e embriagando meus sentidos. Um fervor antagônico ao friozinho ansioso que eu sentia antes dela se deitar ia tomando conta de mim. Olhei para ela disfarçadamente buscando captar mais um motivo para alimentar meu desejo, e assustei ao ver que ela me encarava. Tinha nos lábios um sorriso travesso, o que a deixava ainda mais linda.
- Tá nervosão, né? – Falou gargalhando. – Dá pra ver! Você tá com uma expressão muito tensa.
- E...eu? Não, que...isso. Impressão sua! – Minha negativa acompanhada dessa irritante gagueira involuntária fez Clarice aumentar ainda mais o volume das risadas.
- Aí! Consegue nem falar! Calma, não vou te morder! – Disse entre as gargalhadas
- Hãm... pior. Tô nervoso mesmo...é que nunca deitei com uma menina. – Respondi admitindo a situação e constrangido pelo fato íntimo que essa afirmação revelava. Ela percebeu o meu embaraço e subitamente parou de rir. Achou minha mão por debaixo dos cobertores, agarrou-a e disse:
- Olha, tá tudo bem. Eu não queria te constranger com isso, desculpa. É que você ficou tão fofo nervoso! Me desculpa! – Confesso que essa frase mexeu muito comigo. Reviveu minhas esperanças e me fez soltar um sorriso. Sem o que responder, apenas olhei para ela, num sinal de que tinha aceitado as desculpas. Ela apertou minha mão antes de soltá-la.
- Além disso, você tá sendo um anjo comigo! Quem em sã consciência daria moral para uma louca como eu? Olha o tamanho do trabalho que estou te dando, ainda dormindo aqui de graça?
- Não é trabalho, Clarice, já te falei. Adoro sua companhia. Na verdade você está me fazendo um favor de ficar comigo – Quando acabei de falar percebi que ela me olhava com uma ternura até agora inédita. Se não era pretensão minha, confesso que também havia um pingo de admiração ali.
- Porque todos os homens não são assim, hein? Sorte de quem ficar contigo. – Cada segundo que se passava eu ficava mais envergonhado. Não era acostumado a receber elogios, muito menos de meninas. Além disso, ela falava com uma doçura que me fazia dar vida às minhas ilusões.
- Boa noite! Qualquer coisa me avisa tá? Pode acordar – Falou ela encerrando a conversa. Antes de deitar novamente, ela se aproximou e me deu um beijo no rosto. Ao se afastar, deu mais um daqueles sorrisos encantadores. Ajeitou o travesseiro e se enfiou embaixo das cobertas. Eu ainda fiquei um tempinho sentado, me deliciando com o toque suave de sua boca. Olhei para o lado ela já estava deitada. Me virei também e desliguei a luz.

sábado, 27 de julho de 2013

DIA 12 - parte I

A fome e o cansaço daquele dia bastante pesado nos fizeram optar por não andar muito, nem procurar algum restaurante. Perto do hotel tinha uma praça, e lá alguns pit dogs, o que já era mais que suficiente. Enquanto andávamos, pude observar com mais atenção, reparar nos detalhes da arquitetura, nas pessoas, no clima harmônico daquele lugar. Exceto pelo multidão que transitava nas ruazinhas apertadas, a grande maioria com cara de turista, aquele ambiente me pareceu bem interiorano, trazendo uma certa paz de espírito.
            Perdido nas minhas observações e trocando algumas palavras com Clarice, segui o caminho até o centro da praça, onde se concentravam as lanchonetes. Sentamos logo na primeira, o que não fazia diferença nenhuma. Pegamos o cardápio, logo o garçom se prontificou a anotar nossos pedidos. Rapidamente escolhemos a comida e despachamos o rapaz para outra mesa.
- E aí, achando tudo muito estranho né? – Disse ela ajeitando o cabelo atrás da orelha.
- Ué, não muito. Lógico que não esperava que isso fosse acontecer, mas...sei lá.
- Eu nunca esperava isso. Na verdade não esperava nada do que aconteceu. Só queria me divertir, sabe? Matar a saudade. E agora tá tudo tão diferente assim.
- É, tá mesmo. Nunca achei que conheceria alguém na viagem, muito menos que ia dividir o quarto. Mas tô até animado, acho que vai ser melhor.
- Acha mesmo? Tive a impressão que você se arrependeu. Sei lá.
- Não, de jeito nenhum. Quando decidi vir pra cá não pensei muito bem sobre nada, sabe? Só vim, sem mais. Decidi ficar à mercê do acaso.
- Viu no que deu? Foi confiar no acaso...Acabou com uma estranha dormindo no seu quarto. – Falou sorrindo, como se soubesse o quão bem ela estava me fazendo.
- É. – sorri junto – Pela primeira vez o acaso resolveu ser meu amigo.
- Seu amigo, porque? – Perguntou ela curiosa no que eu iria responder. Quando fiz a pergunta não tive consciência do que podia representar. Deixei escapar os meus sentimentos, agora teria que concertar as coisas.
- Porque viajar sozinho seria ruim. Ele me trouxe companhia, ué! – Tentei camuflar, acho que sem sucesso.
- Hum, tá. E...
- Licença, pessoal. Os sanduíches. – Interrompeu o garçom, se colocando entre eu e Clarice para chegar à mesa com nossos pedidos. – Qualquer coisa só chamar, tá?
- Beleza. – Respondi.
Quase não conversamos enquanto comíamos. O assunto que antes prometia encontrar rumos perigosos à minha intenção de esconder o que eu sentia foi deixado de lado e agora se resumia apenas em opiniões sobre a qualidade da comida. Melhor assim. Depois de comer, deixamos a lanchonete e caminhamos de volta ao hotel. Durante o percurso nos dedicamos apenas a planejar o dia seguinte, e mais uma vez aquela interrupção passou despercebida em nosso assuntos.
Chegamos ao hotel. À medida que aproximávamos do quarto eu ficava mais nervoso, não tinha como adiar. A porta trancada à minha frente e alguns passos eram as únicas coisas que me separavam de deitar com ela. Minhas mãos suavam frio, meu coração batia tão forte que desconfio que ela escutava cada pulsação. Eu não estava preparado, tinha medo da minha reação. Tentava não transparecer nada disso, mas estava cada vez mais difícil.
Entramos, Clarice foi para o banheiro trocar de roupa e eu me deitei. A cena dela saindo do banho voltou a minha cabeça, trazendo um misto de medo e excitação. Não tinha o que fazer, era enfrentar a situação, apenas. Ela saiu vestindo um pijama listrado, com linhas rosas que estampavam o fundo branco. O short era curto, revelando as coxas bem torneadas que ela escondia sob as calças jeans. Enquanto eu a mirava de cima a baixo, ela colocou a mochila na poltrona onde eu tinha dormido a tarde e, bem lentamente, veio caminhando em minha direção, ou melhor, na direção da cama.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

DIA 11 - parte II

A cama de casal foi a primeira coisa que olhei no quarto. Dois lugares, dois. Duas pessoas dormindo num mesmo lugar. Um lugar, duas pessoas ou uma só. Nunca me imaginei nessa situação. Dividir a cama com alguém, mesmo que fosse apenas por dividir mesmo. Não sabia o que pensar.
            Muito mais do que eu, Clarice estava exausta. Se jogou na cama, bem parecido com o que eu tinha feito pouco tempo depois.
- Vou dormir um pouco, tá? Tô muito cansada. Mas não precisa ficar aqui. Vai andar por aí, tem lugares legais por aqui perto. Logo eu levanto também.
- Não, de boa. Vou esperar aqui, continuar lendo. Te espero.
- Você que sabe. – Disse ela tirando os tênis, e ainda de meia, se deitando do lado direito da cama.
            Ainda não tinha coragem de deitar ao lado dela, até cheguei a sentar na beira da cama, mas preferi esperar. Fui para a poltrona do quarto e fiquei olhando para ela, velando por seu sono. Os olhos ainda estavam inchados e vermelhos de tanto chorar, se tornando o ponto que mais chamava a atenção no seu rosto. Os cabelos estavam mal penteados, transparecendo todo o estado de desespero que ela tinha vivido naqueles últimos momentos.
            Demorou pouco para ela apagar de vez. Continuei mantendo nela todos meus olhares. Em uma das poucas fugas, percebi que da bolsa dela caía uma caixinha. Me pareceu cigarros, mas não acreditava que uma menina tão bonita e tão doce pudesse fumar. No meu mundo, fumar era coisa de desvirtuados, de perdidos. Fui até a bolsa, peguei. Era mesmo uma carteira de cigarros. Olhei com certo nojo para a caixa, mas com piedade para ela. As duas coisas não combinavam, não mesmo.
            Voltei para a poltrona, com os cigarros na mão. Pensei em falar com ela, mas não tinha intimidade o suficiente para isso, mesmo tendo que dormir ao seu lado em algumas horas. Se ela fumava, não poderia ser tão ruim assim. Abri a caixa, peguei um e decidi experimentar. Procurei na bolsa dela um isqueiro, lógico que teria. Achei, acendi a ponta com as mãos meio trêmulas e coloquei na boca. Aquela fumaça toda me sufocou logo na primeira tragada. Meu olhos arderam e o gosto da nicotina me deu ânsia de vômito. Tomado pelas tosses, fui para o banheiro apagar aquilo.
            Lavei meu rosto, enxaguei a boca e devolvi o isqueiro e os cigarros na bolsa dela. Não era pra mim. Voltei para a poltrona e de novo, a coloquei em meu campo de visão. Sem perceber, dormi. Acordei já era noite. As luzes acessas, a cama vazia. Assustei com a possibilidade de Clarice ter se arrependido de tudo e ir embora. Escutei barulho de água no banheiro, fui procurar. Bati a mão na maçaneta e a porta não se abriu. Estava trancada.
- Acordou? – gritou ela, debaixo do chuveiro
- Aham, acabei dormindo também. E aí, melhorou?
- Descansei. Deu pra relaxar. Nossa, a água está ótima! Você devia entrar depois!
- É, preciso mesmo.
- Vamos sair pra comer? Já tô com fome de novo. – Me convidou Clarice. Agora sim começava minha viagem.
- Beleza, tô te esperando aqui.
            Ela saiu do banho. De toalha abriu a porta sorrindo e passou por mim. O cheiro da sua pele, ainda com a fragrância do sabonete invadiu minhas narinas e arrepiou meu corpo. Eu estava cada vez mais enfeitiçado por ela. No banho essa cena voltou aos meus pensamentos muitas vezes, aguçando ainda mais minhas sensações. Uma vontade extra-humana me invadiu, acabei me tocando. Depois fiquei envergonhado, pensei no que tinha feito, era estranho, não faria de novo.
            Saí do banheiro, ela já estava pronta, me esperando. Um blusinha de alças, bem casual combinando com um jeans meio gasto. Nos pés um all star de cadarços brancos que estavam encardidos. Me vesti rapidamente e saímos para comer.




terça-feira, 23 de julho de 2013

DIA 11 - parte I

            Ela esboçou um sorriso e antes de sairmos do quarto, me agradeceu por tudo. Fomo conversando sobre a cidade até a entrada, ela me indicava os lugares bons, restaurantes, praias, resorts. Eu nem interessava muito em nada, qualquer lugar com ela já estaria ótimo. Quando chegamos na recepção a atendente fez um cara que deixava mais do que claro os seus pensamentos: "Ai meu Deus, os dois loucos de novo não."
            Clarice percebeu a expressão dela e ficou com vergonha. Antes mesmo que eu falasse alguma coisa ela se desculpou com a recepcionista, que entendeu a menina e até melhorou a expressão fácil, deixando transparecer uma certa simpatia.
- Moça, será que tem mais um quarto simples disponível? – Perguntei.
- Bom, deixa eu ver aqui. – Voltou os olhos para a tela do computador – Ish, garoto, quarto individual tenho apenas uma suíte luxo, que é bem mais cara. Você quer para o mesmo tempo que o seu? – Disse ela parecendo entender que o destino tinha pregado alguma peça em Clarice e que agora ela faria me companhia durante minha estadia.
- Sim. – respondi.
- Pois é, só tenho essa suíte luxo. Pode ser? – Disse ela parecendo constrangida por não poder me atender.
- Ah...quanto ficaria o quarto durante os 7 dia?
- Não, espera. Não vou ficar numa suíte luxo, ainda mais com você pagando, cara. Tá doido? – interrompeu Clarice.
- Mas onde você vai ficar? Quer olhar nos hotéis aqui perto, então?
- Tem quarto de casal, moça? – Disse ela sem olhar para mim, arrancando uma cara de surpresa da recepcionista e lógico, de mim.
- Casal, né? Hum...Vou verificar aqui. – Falou a moça, confirmando minha impressão de que ela estava espantado com aquilo tudo. Enquanto ela verificava eu olhei para Clarice e perguntei se ela tinha certeza.
- Você se importa? Por mim tudo bem. Fica até mais barato, eu acho. Mas você que sabe.
- Não, por mim...hã...tudo bem, ué.
- Beleza. E aí, tem?
- Tem, um quarto de casal simples. Os mesmo sete dias, né?
- E aí, vamos pegar? – Me perguntou com animação.
- Pode ser, moça. Troca minha reserva então.
- Ok. – Enquanto a troca era feita eu fiquei pensando no que seria de agora para frente. Há poucos minutos atrás eu nunca mais veria Clarice. Agora eu a teria no meu quarto, durante uma semana inteira. Pela primeira vez tudo estava dando certo para mim, incrível! Pelo menos era o que eu pensava naquele momento.
            A troca foi feita, passei no 101 e peguei minha mochila. Devolvi a chave e subimos para o 204. Clarice parecia ter esquecido parcialmente o que tinha acontecido com ela e se entusiasmava com a minha viagem, que agora era dela também. Por algum milagre eu consegui conter meus sentimentos, minha vontade de pular no pescoço dela e enchê-la de beijos. De falar o quanto aquilo tudo era novo e maravilhoso para mim, que ela tinha trazido novo sentido para a minha vida. Não falei nada, mesmo que algumas dessas coisas escapavam de mim através dos meus excessivos sorrisos.

            Quando fui destrancar a porta, senti a mão dela tocando a minha, apertando meus dedos. Girei a chave, ela apertou ainda mais. Abri a porta, entramos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

DIA 10 - parte II

Me deparei com a Clarice, meio desesperada, tentando se comunicar com a moça da recepção. Ela perguntava por mim, qual era meu quarto, se eu ainda estava lá. Sim eu estava, e agora vendo tudo. Ela ainda não tinha se dado conta da minha presença, as palavras que ela balbuciava misturavam com o choro e aqueles pequenos soluços que ela soltava quando chorava. A mulher da recepção não entendia nada, e foi ficando cada vez mais assustada com o aparente desespero da menina.
- O que foi? – Decidi intervir naquela confusão.
- Ah! Te encontrei, graças a Deus! – Ela veio chorando, ainda mais desesperada, e me abraçou. Fiquei ali, surpreso, sem reação. Quando percebi o que se passava, levantei meus braços e de leve, envolvi o seu corpo. Aquele contato me deixou tenso. Eu não sabia  o que fazer, esperei ela tomar atitude.
- Vamos pro seu quarto? Preciso muito falar com você.
- Tá, calma. – Descolei meu corpo do dela, peguei na sua mão e levei até o 101.
- O que aconteceu? Porque cê está assim? – Perguntei assim que entramos.
- Não queria falar sobre isso, mas te devo uma explicação, né?
- Se não quiser falar, ué. Mas é estranho você aparecer assim, do nada, chorando.
- É que meu namorado ia buscar só mais tarde na rodoviária, aí eu cansei de esperar e peguei um taxi. Quando eu cheguei no apartamento dele, tinha outra menina lá. Ele ainda tentou esconder a vadia, mas eu não sou idiota...
- Nossa! E...
- Ah, cara, porque ele fez isso comigo? Era tão mais simples falar que não queria mais! Por que isso, porque? Ah não... - Os soluços voltaram e ela já não tinha mais condição nenhum de falar. Também não insisti, percebi que ela sofria muito falando daquilo. Eu nunca tinha passado por aquilo, nem por coisa parecida. Não sabia o que dizer, e não queria piorar nada. Apenas olhei pra ela e dei outro abraço. Ela se entregou completamente, e seu corpo pendeu todo sob meus braços.
            Ela ficou ali durante alguns minutos. Suas lágrimas caíam no colo e molhavam lentamente meu jeans, enquanto o vento que entrava pela janela se tornava a trilha sonora daquela cena. Deixei ela ficar o tempo que precisasse. Eu também não tinha pressa que aquele momento acabasse, na verdade nem queria. Ela se levantou, já cansada de chorar. Secou as lágrimas no rosto, ensaiou um sorriso e falou:
- Chega! Você deve estar me achando uma louca de novo. Mal te conheço e já dormi e chorei no seu ombro. Não bato bem mesmo!
- Relaxa, tá tranquilo. Eu não sei lidar com essas situações, sou péssimo. Mas até que gostei dessas experiências com você. Não, quer dizer...não que tenho sido legal você sofrer, ah...
- Entendi! Não precisa explicar não. – Falou ela, achando graça do meu embaraço. – Me desculpa, já vou indo. Se eu correr ainda pego o ônibus de hoje.
- Espera, você vai voltar?
- Ué, lógico!
- Não, fica aqui, ué! Você mesmo disse que a cidade é linda, que adora vir pra cá.
- Ah, não. Mas é que...nem tenho onde ficar. Ia ficar na casa dele, e nem trouxe dinheiro pra hotel.
- Não precisa, eu tenho aqui, de boa. Fica comigo? – No calor da conversa não tinha percebido o que tinha proposto pra ela. Quando me dei conta da situação senti minha cara corar, morri de vergonha.
- Ué, você quer que eu fique?
-Eu? Cla...claro! – Respondi sem graça.
- Mas e o hotel? Eu não tenho dinh...
- Não precisa! Eu tenho, de verdade!
- Tá, então. – Quando ela respondeu isso, toda aquela angústia que antes me consumia desapareceu. Não consegui esconder minha excitação, sorri. Olhei para ela, peguei em sua mão.
- Vamos lá pegar um quarto pra você, então?

- Vamos.

sábado, 20 de julho de 2013

DIA 10. Parte 1


            A caminho do hotel fiquei revivendo alguns momentos que passei com Clarice. A solidão que preenchia o espaço vazio dentro do carro ameaçava estragar meus planos. Quando planejei viajar, não contava com a presença de mais ninguém. Seria eu, apenas. Nem cogitei conhecer alguém, muito menos senti a necessidade de ter companhia. Agora não era mais assim. Aquela menina havia modificado tudo, e o vazio que antes era meu aliado, se tornava o grande vilão.
            Refém dos maus pensamentos, nem percebi o quanto demorava para chegar ao hotel. Não tinha noção de quanto tempo já havia se passado, só sabia que era muito. Já estava incomodado de novo, queria logo chegar. Tentando procurar algum sinal do tal hotel, comecei a reparar a cidade. Bem bonita mesmo, aconchegante. Com uma atmosfera bem turística, como se tivesse sido feito apenas para os visitantes. Isso me agradou, aliviou um pouco minha áurea ruim.
            Alguns minutos depois cheguei ao meu destino. Uma pousadinha bem simples, com acabamento rústico e alguns móveis já gastos. Agradeci ao motorista, paguei o que devia e entrei no hotel. A recepção era pequena, com um balcão de madeira clara e um computador bastante amarelado. O quadro que guardava as chaves dos quartos denunciavam os poucos aposentos que tinham o lugar. Achei melhor, nunca gostei de tumultos.
- Boa noite, garoto. Tem reserva? – Perguntou a recepcionista, cansada de esperar alguma manifestação da minha parte.
- Ah, sim. Boa noite! Fiz pela internet. – Entreguei o comprovante eletrônico que me garantia o quarto. Voltei minha atenção novamente para o lugar. Mirei umas poltronas velhas colocadas ao lado com uma mesinha de centro recheada de revistas entre elas. No canto uma TV pequena sintonizava muito mal um noticiário, sem nenhum telespectador naquela sala. Uma janelinha aberta deixava uma corrente de ar entrar no ambiente, amenizando o calor abafado do lugar.
- 101, nesse corredor à direita, tá vendo? – Falou a moça apontando a chave para mim e indicando o lugar com uma mexida na sobrancelha.
- Sim, obrigado. – Peguei o chaveiro, forcei um sorriso para parecer educado, o que não surtiu efeito, e fui para meu aposento.
            Era um lugarzinho pequeno, a cama coberta por um lençol azul claro, bem marcado pelo excesso de uso e um travesseiro fino. Uma toalha posicionada no canto da cama, com sabonete e um vidrinho de shampoo em cima. Na parede um suporte segurava uma tvzinha menor ainda do que a da recepção. Ao contrário do que possam imaginar, adorei o quarto. Aliás, a minha casa de hoje tem alguma inspiração subjetiva nesse quartinho de hotel.
            Cansado da viagem, joguei a mochila na beira da cama e deixei meu corpo cair, totalmente nas mãos da gravidade, chocando com certa violência contra o colchão. Só tive o trabalho de tirar os tênis e sem nenhuma resistência me entreguei ao sono.
            Tempo depois acordei com a chuva molhando meu rosto. Quando deitei não tinha percebido que a janela estava aberta. Na verdade, nem tinha percebido a própria janela. Me levantei para fechá-la quando escutei uma voz vindo da recepção. Atento ao que se passava, esqueci completamente da chuva que invadia o quarto. Não conseguia compreender o que era conversado, mas não era um diálogo comum. Uma das vozes estava bem alterada, trêmula e meio chorosa. As palavras eram ditas com uma rapidez que não me deixavam compreender uma frase sequer. Preocupado com a situação decidi ir até a recepção saber o que acontecia.
            Saí do quarto, nem fechei a porta. À medida que eu me aproximava a voz aumentava seu volume e sua inconstância. Comecei a ficar assustado, a apreensão e a curiosidade me obrigaram a acelerar os passos. Cheguei na sala, olhei para o balcão. O susto me paralisou completamente, deixando cada músculo do meu corpo sem reação. Permaneci ali alguns segundos, afogado naquela surpresa.



quinta-feira, 18 de julho de 2013

DIA 09

Era um novo mundo que se abria ali, na minha frente. Tinha chegado a hora de viver. A excitação que eu sentia naquele momento me fez esquecer quase por completo Clarice e tudo que se passou dentro do ônibus. Eu disse quase porque ela desceu atrás de mim e vinha mantendo um assunto qualquer que eu não me lembro qual. Olhava tudo e todos, como uma criança abrindo o pote de balas longe dos pais, podendo escolher a vermelha, a azul, verde, amarela, ou todas.
            A movimentação frenética daquele lugar me assustou um pouco. Muita gente, muita loja, pouco espaço. Me senti até um pouco sufocado, precisei sentar. Procurei a praça de alimentação e depois de algum tempo achei uma mesinha no fundo, desocupada. Ainda me restava um sanduíche na mochila, com fome, peguei-o para comer. Clarice ainda estava comigo, sentou na cadeira de frente.
- Tá tudo bem? Você tá calado, sei lá.
- Tá. Só tô cansado. Nunca tinha feito uma viagem tão longa. Quero ir pro hotel logo.
- Também tô. Preciso tomar um banho, deitar.
- É. Olha, acho que já vou. Você sabe onde posso pegar um táxi por aqui?
- Ah, mas já? Fica aí. Tem um lugar de videogames ali atrás, vamos jogar alguma coisa!
- Não, valeu. Quero descansar mesmo. E o táxi?
-Tá bom então – disse ela olhando para o chão, com uma certa frustração. – Então, os táxis ficam naquela entrada de lá – Apontou.
- Obrigado. Vou indo, tchau Clarice. Bom passeio! – Eu disse, estendendo a mão. Ela se levantou, deu um sorriso de canto de boca:
- Tchau! Prazer te conhecer. Espero que goste de Búzios, é legal.
- Vou gostar. Tchau. – Virei as costas e segui.
            Na minha mente esse último sorriso dela ficou gravado. Ocupando meu pensamento enquanto cruzava o saguão. Nunca mais a veria. Apesar de toda frustração era duro pensar nisso. A angústia que eu sentia no ônibus voltou, mais forte. Precisava pelo menos me despedir melhor dela, dar sinal de que sentiria falta, quem sabe até passar meu telefone. Não podíamos ser amigos? Lógico que sim! Dei meia volta e bem depressa, quase correndo, fui ao encontro dela.
            A terrível ideia de que ela pudesse não estar mais lá me fez literalmente correr, atropelando malas e arrancando xingamento das pessoas. Quando olhei para a mesa onde estávamos vi sua mochila repousada sobre a mesa. Estava lá, sentada, apoiando o rosto sobre a mão. Fui me aproximando, ela de costas, não percebeu minha presença. Vi que estava no telefone. Tive medo, mesmo assim decidi me aproximar mais.
- Ah não, amor! Você ainda vai demorar muito! Vem logo! Não aguento mais de saudade! – Foi o que ela disse ao telefone. Parei ali, não ia mais adiante com isso tudo. Não era o que eu queria, ser apenas um amigo. Não valia a pena correr o risco, não mesmo. Voltei ao meu primeiro caminho: os táxis.

Esperei algum tempo até encontrar um carro disponível. Quando chegou, entreguei o papel com o endereço do hotel para o taxista e me meti no banco de trás. Voltei a pensar no sorriso dela, na cena do telefone. Meu coração ficou apertado. Ignorei todos os momentos que tive ao lado dela, no ônibus, na rodoviária. Nem me importei se ela estava ali comigo ou não. Porque sempre na hora de largá-la de vez era aquilo tudo? Se não tivesse voltado lá a minha despedida não teria sido tão doída assim. Pelo menos tive mais alguns momentos para admirá-la.

terça-feira, 16 de julho de 2013

DIA 08

Esse turbilhão de sentimentos e acontecimentos que eu relatei até agora podem dar a sensação de que a viagem já estava chegando ao fim. Mas não, haviam se passado apenas 4 horas, um quarto do trajeto. A intensidade com que eu vivi cada segundo desses primeiros momentos da minha aventura poderiam encher ainda mais páginas, só que como leitor que também sou, sei da impaciência de ficar estacionado em apenas um fato. Além do mais, o que mais de importante aconteceu dentro do ônibus eu já contei, restando apenas um fato que narrarei agora.
            Depois da fatídica conversa a viagem se transformou em algo extremamente cansativo e chato. A minha vontade de chegar ao destino final era imensa, assim como as dores que se apossavam do meu corpo. A impossibilidade de acontecer algo entre eu e Clarice também me tirou todo interesse nela. Qualquer movimento ou um simples suspiro que antes seriam dignos de total atenção e admiração, agora passavam quase imperceptíveis aos meus olhos.
            Ela ainda buscava manter alguma conversa, puxava um assunto de vez em quando e eu respondia tudo por educação. Em uma dessas tentativas ela me perguntou o porquê eu estava viajando assim, sozinho, fora de época. Perguntou também se eu conhecia alguém na cidade, onde iria ficar, o que iria fazer lá. Essas coisas comuns que todo mundo pergunta sobre viagens. Não falei muita coisa, apenas que me deu vontade, que não tinha um grande interesse. Disse também que já estava até arrependendo, me perguntando se valeria a pena. Querendo me animar, ela falou da cidade, me contou que já tinha ido outra vez e que lá era lindo. Me contou cada detalhe dos passeios com o namorado.
Lógico que isso deixou a conversa ainda mais insuportável. Nesse ponto fiz questão de mostrar total desinteresse, até ensaiei alguns bocejos. Com o tempo ela foi percebendo o que eu queria transmitir e aos poucos o silêncio pairou entre nós. A noite também se aproximava e a escuridão ia invadindo o ônibus, me camuflando entre os filetes de luz que vinham das lâmpadas acessas no teto.
Não conseguia dormir, mesmo fazendo força para isso. Queria olhar para o céu, admirar as estrelas que na estrada ficam muito mais bonitas, mas eu estava na fileira do corredor. Ao meu lado, Clarice também não pregava os olhos e desfrutava da vista que eu tanto queria. Algumas poucas vezes ela se virava para ver se eu dormia e rapidamente eu fechava os olhos para não dar oportunidade dela puxar algum assunto.
Acreditando que eu dormia, ela não se controlou e começou a chorar. As lágrimas desciam rapidamente, trazendo junto alguns pequenos soluços. Mesmo frustrado com a situação, não consegui ver aquela cena sem sentir compaixão. Uma menina tão linda não merecia derramar uma lágrima sequer. Queria por tudo saber o que se passava. Ensaiei falar alguma coisa, quem sabe até oferecer um abraço. Confesso que até hoje não entendi o porquê não fiz isso, mas o fato é que simplesmente fechei os meus olhos e tentei dormir. Acabei conseguindo.

Acordei com a Clarice me chamando. Já era manhã e estávamos na rodoviária de Búzios. Enfim tinha chegado.  O medo e ansiedade voltaram ao meu corpo. O fato de ter passado meus últimos momentos ao lado dela dormindo e saber que não a veria mais também amargurava meu coração. Me arrependi de a ter ignorado durante a viagem, mesmo sabendo que não teria nenhuma chance com ela. Uma criatura tão doce e tão bela jamais voltaria a cruzar meu caminho outra vez. Agora já era tarde, não dava mais tempo para tudo isso. Agradeci a Clarice por ter me acordado, ajeitei minha roupa, peguei a mochila e desci do ônibus.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

DIA 07

Aquele doce toque, que colocava em contato o meu pescoço hora com os cabelos hora com as bochechas dela, era meu primeiro contato com o universo feminino. Há algum tempo havia beijado uma garota, mas não considero aquilo uma experiência afetiva porque o ato foi uma simples punição de uma estúpida brincadeira de pré-adolescentes. Agora não, mesmo com ela dormindo nada tinha forçado nosso encontro, a não ser a gravidade, que aquele momento era a minha melhor amiga.
Minha mente raciocinava o mais rápido possível em busca de uma reação para a cena. Deixava ela acordar e perceber o que havia acontecido? Tentava acomodar ela de outra maneira, e claro, sem acordá-la? Fingia que dormia também para que ela pensasse que eu não havia prestado atenção e evitasse um constrangimento? Mergulhado em todos atos de coragem que havia tido naquela viagem até agora, decidi apostar na sorte e duvidar do fracasso. Esperaria ela acordar.
Não demorou muito. Ela se mexeu devagar, aumentando o atrito dos cabelos em mim e arrepiando todo meu corpo. Num golpe só se levantou, assustada, se distanciando de mim bem mais do que eu queria. Com os olhos esbugalhados disse:
-Nossa! Me desculpa! Que vergonha! Não percebi que estava me apoiando em você, me desculpa mesmo! Que vergonha! Porque não me acordou?!- Indagou.
- Não tinha necessidade. Você dormia confortável, não me atrapalhava em nada. Tá tudo bem, não precisa se desculpar. Relaxa.
- Ah não, meu Deus! Nossa, cara, você deve estar me achando uma louca. O que deu em mim?
- Não foi culpa sua, relaxa! O ônibus mexeu, você caiu, e dormia muito bem, não quis te acordar. Tá tudo bem mesmo.
- Deixa eu me apresentar então. Já até dormi no seu ombro, né? Clarice, prazer. - Estendeu a mão direita para mim.
- Que nome bonito! Prazer, eu sou...- Antes que pudesse apertar a mão dela um buraco na estrada fez o ônibus sacudir mais do que o normal e ela bateu o rosto contra a janela.
- Nossa, meu Deus! Se machucou? – Perguntei preocupado, depois do incidente.
- Não tá tudo...
- Cara, sua testa inchou! Tá roxa! - Alertei-a. Depressa ela enfiou a mão na mochila, pegou um espelho e se deparou com o calombo.
- A não, que droga! Justo agora! Será que demora muito para sair?
- Ué, não sei. Acho que sim. Mas nem ficou feio, só dá pra ver de perto. Por que justo agora?
- É que tô indo pra Búzios encontrar meu namorado. Ele se mudou pra lá e faz um tempo que não o vejo. Não queria encontrar ele assim. – Essa frase ecoou na minha cabeça, corroendo minhas entranhas como se um balde de ácido tivesse sido derramado dentro de mim. Estava tudo bom demais para ser verdade. Lógico que uma menina tão bonita assim não poderia estar no meu caminho.
- Ah! – exibi um sorriso sem graça. – Ele não vai se preocupar com isso.- Meti a mão na mochila, me endireitei na poltrona e reabri o livro.
- É, você tem razão! Além disso pode diminuir até chegarmos lá também.
- É – respondi já sem interesse nenhum naquele diálogo. Ela se virou e voltou a encarar a paisagem.


quinta-feira, 11 de julho de 2013

DIA 06 - parte II

            ...Permaneci algum tempo imóvel, assustado, tentando acreditar na chance que aparecia para mim . Estava cansado desse medo que sempre me impedia de fazer as coisas. queria me livrar de vez daquele maldito frio na barriga. Decidi não ensaiar nada, apenas chegaria lá, simples.  Coloquei o livro dentro da mochila, me levantei e fui. No corredor evitava os pensamentos, queria apenas acabar aquela caminhada até o banco da frente, que aliás, parecia não chegar nunca.
Ao fim do trajeto me coloquei ao lado da poltrona, olhei para ela rapidamente e sentei. Não falei nada, abri a mochila e peguei de novo o livro. Não ia ler, como já sabem o balançar do ônibus me impossibilitava isso, a intenção era parecer indiferente com a mudança e evitar que ela falasse comigo. Não adiantou muito, quando ela percebeu que a pessoa sentada ao lado não lhe empurrava contra a janela, olhou surpresa para o lado e disse:
-Ué, cadê a senhora que estava sentada aqui?
- Não sei- respondi. – Ela tinha sentado no meu lugar. Tudo bem eu sentar aqui?
-Ah, claro ué. – Virou para o lado e fechou os olhos. Em poucos instantes a velha chegou. Olhou para mim com uma cara indignada e reclamou:
-Ô moleque, o que é que você está fazendo aí? Sai logo que eu quero sentar.
-Desculpa, senhora, mas essa poltrona é minha. A senhora se enganou quando entrou no ônibus.
-Mas você já viajou até aqui lá atrás, para quê vir para cá agora?
- Porque comprei a passagem para sentar aqui, quero viajar aqui.
-Esses meninos de hoje são todos assim, desrespeitosos. Um dia vai ser velho e vai ver como é bom ser maltratado. Moleque sem educação! – Saiu ela resmungando. Para minha surpresa a menina ao meu lado estava atenta à discussão. Quando a velha saiu ela disse:
-Ela tem razão. Porque você quis vir pra cá agora?  
-Estava frio lá atrás. – menti.
-Ah! - tornou a fechar os olhos, e se virou. Não sei se era apenas o que eu queria entender, mas ela pareceu um pouco frustrada com a minha resposta, como se esperasse ouvir outra coisa. Meti os olhos no livro, sem deixar de observá-la.

Já se passava algum tempo que eu estava ali e ela permanecia imóvel, como esteve durante toda a viagem. Aparentemente a minha presença ali não importava mais ou menos para ela do que a gorda, continuava indiferente. Olhei para ela mais atentamente, sem medo que ela me flagrasse e então percebi que ela  dormia. Abri um sorriso, e voltei aos meus pensamentos. Algum tempo depois sentia que ela se aproximava de mim, bem lentamente. Senti sua cabeça encostar no meu ombro, os cabelos loiros dela tocaram meu pescoço, fazendo cócegas. Meu corpo estremeceu, fiquei sem ar.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

DIA 06 - parte I

            Alguns escritos atrás eu disse que o fracasso sempre acompanha sua vítima, em todos os passos. E uma das formas mais perceptíveis que ele assume é o pessimismo. A falta de crença de que alguma coisa vá dar certo é, sem dúvida, o fracasso arreganhando um sorriso de orelha a orelha e te encarando maliciosamente.
            Era isso o que eu vivia naquele ônibus. Encarava face a face o meu sombrio futuro. O fato de já estar na estrada me tirava a possibilidade de  arrepender e desistir te tudo. Isso substituiu a ansiedade pelo medo, e ouriçava todos sentimentos negativos que, como um bom fracassado que sempre fui, cultivava em mim. Não ia dar certo a viagem. Aquilo era loucura! O que eu iria fazer sozinho, milhas e milhas de casa? Nunca tinha me incomodado com nada na minha vida, porque tomar essa atitude tão radical de uma maneira tão precipitada? Sei lá.
            Afundado naquela poltrona engordurada e com forte cheiro de mofo, minha expectativa ia sumindo à medida que a viagem seguia. O silêncio mórbido dos passageiros me fazia sentir em casa, o que justamente eu não queria. Isso, aliado ao fato da velha gorda ainda estar apagada no meu lugar, sem menor sinal de que se daria conta de estar no banco errado, aumentavam minha certeza que de nada daquilo tudo adiantaria. Na tentativa de distrair um pouco minha mente desses pensamentos negativos, enfiei a mão dentro da mochila e retirei um livro, que por curiosidade, faz parte da estante que hoje habita meu quarto, a qual me referi no primeiro relato.

            Era de suspense. Meio ficção meio policial, misturava as duas coisas. Não sei porque o comprei, mas o que mais chamava a atenção era a capa: Um beco escuro com manchas de sangue. Na certa traria uma história  agitada, meticulosa, cheia de aventuras, bem diferente da minha realidade. Já nas primeiras páginas da leitura, desisti. O sacolejo do ônibus dificuldade o discernimento das letras, e me causava náuseas. Ao fechar o livro, sem querer mirei na poltrona da velha, que por sinal, era minha. Meu espanto foi grande: Ela não estava mais lá, apenas o assento bastante fundo e amarrotado, vazio. Estava de volta ao meu corpo a adrenalina, o que mais eu buscava naquela aventura. Olhei para a menina e ela estava da mesma maneira, imóvel, como uma pintura emoldurada. Nada agora me impedia, era hora de agir, ir em busca do meu grande objetivo, mudar os rumos da minha vida.

terça-feira, 9 de julho de 2013

DIA 05 - parte II

            ...A caminho do banco minhas pernas tremiam, assim como todo resto do meu corpo. Aquela ansiedade cruel parecia invadir cada centímetro e tomar conta de mim. Tinha que subir logo naquele ônibus ou desistiria ali mesmo, no meio da rua. Os pensamentos fervilhavam na minha cabeça e quase não me deixaram lembrar que ainda tinha que passar no banco. Sorte que vi uma placa de banco 24 horas na porta do supermercado. Decidi entrar e sacar ali mesmo, já que a agência ainda estaria fechada e bem mais longe.
            Isso me fez ganhar alguns minutos, o que no fim, significou apenas um tempo maior de molho nos bancos depredados da rodoviária, à espera da minha aventura. O dia estava bonito, sol quente, céu bem azul, cheio de nuvens. Reparar o tempo não fazia parte do meu caráter rotineiro, mas nessa altura eu já não estava mais submetido às minhas sensações comuns. Além do mais, esperar o ônibus naquela rodoviária sem graça não me deixava muitas outras opções.
            Em outra dessas minhas análises, reparei numa moça bem nova, loira, sentada a poucos metros de mim. Também com uma mochila apenas. Parecia ansiosa como eu. Me vi nela, e isso me deixou atraído por cada movimento de seu corpo, por mais inocente que fosse.  Ela não desgrudava os olhos do ponto onde meu ônibus iria estacionar assim que chegasse. Pensei que ela podia estar esperando o mesmo que o meu, e que por alguma ironia da vida, o destino faria nossos caminhos se cruzarem.
Esses pensamentos só me deixaram ainda mais apavorados. E se fosse verdade? Se ela estivesse esperando meu ônibus? Se ela tivesse os mesmos motivos que eu para estar viajando? E se o universo tivesse conspirado para nos conhecermos? Minha boca estava seca, meu coração parecia ter se multiplicado, precisei ir ao banheiro.
De longe o cheiro fétido já me enjoava. Meu estômago agora se revirava e tive que apertar o passo. Corri, cheguei ao banheiro e vomitei tudo o que tinha para vomitar: O medo, a ansiedade, o café da manhã. Por alguns segundos ainda permaneci dobrado sobre a privada, pensando em tudo o que ia acontecer. Ia desistir, não estava preparado praquilo. Fui na pia, lavei o rosto. Meu reflexo deixava visível o estado emotivo em que eu me encontrava. O medo estava nos meus olhos, ali, pra quem quisesse ver. Não ia deixar ele me vencer mais uma vez, botei a mochila nas costas e fui em direção ao ponto.
Quando cheguei na plataforma de embarque o ônibus já estava partindo, dando ré para sair. Não parecia que tinha demorado tanto no banheiro. Corri, gritando e acenando para o motorista, que com muita irritação, parou. Subiu os degraus do ônibus, a porta se abriu e antes que eu pudesse me desculpar, o motorista mandou ir logo procurar a poltrona. Não olhei pra ele mais, e entrei.
No corredor, fiquei parado, procurando a menina dos cabelos loiros. Para meu alento e desespero, encontrei-a olhando tristemente para fora da janela, alheia à minha chegada. Fui procurar então a minha poltrona, 8-A. À medida que ia andando me aproximava da menina, e de novo meu coração voltou à garganta. Parei ao lado dela, onde uma senhora bem gorda dormia e a espremia contra a janela. Era ali o meu lugar, 8-A. Olhei para o restante do ônibus e um único lugar vago, lá no fundo, denunciava que a velha tinha ocupado o lugar que era pra ser meu. Olhei para o chão, não quis acordá-la. Voltei meus olhos para a menina e disse:

- Era minha poltrona. – Esperei uma reposta. Nada. Olhei de novo para ela e vi que estava com fones de ouvido. Me virei e fui sentar no fundo do ônibus.

sábado, 6 de julho de 2013

DIA 05 - parte I

Neste ponto me vejo obrigado a fazer uma pequena interrupção na história e fazer algumas explicações. Com o intuito de não tornar a narrativa longa demais e roubar o tempo de vocês, alguns contos serão divididos em duas partes. Prometo que a única intenção é essa, sem qualquer tentativa de fazer suspenses e mistérios, até porque seria pretensão demais tentar achar algum suspense em histórias como essas que narro aqui. Tendo explicado isso, vamos de volta à narração.
Uma viagem. Era essa a nova tentativa de fuga. Não importava para onde, quando ou com quem. Só queria sair da cidade, da rotina, buscar novos ares e almejar alguma aventura em minha vida. Planejar essa viagem me tirou algumas noites de sono e abasteceu os dias com ansiedade e adrenalina, sensações até então quase inexistes para mim.  Pela primeira vez eu me sentia animado com alguma coisa, e parecia reagir do marasmo que me engolia de maneira cada vez mais irreversível.
Confesso que foram muitos bons esses dias. A possibilidade de embarcar numa novidade afastou completamente o característico vazio que me rondava e ia atendendo pouco a pouco às minhas expectativas.
Demorei algum tempo para ter tudo em mente, mais do que o normal, já que nunca havia planejado uma viagem, mas em algumas semanas tudo estava pronto. Férias na escola, roupas na mochila, destino definido. Apenas uma rápida passagem no banco para sacar o dinheiro, que não era muito, me separava da maior aventura da minha vida até então. Apesar de ter pensando em tudo meticulosamente, a minha total inabilidade em lidar com a ansiedade me fez ignorar e atropelar alguns detalhes importantes, o que mais pra frente me será motivo de alguns transtornos, como verão.
Na noite anterior não consegui pregar os olhos. Minha energia estava completamente canalizada na viagem e nas possibilidades que me aguardavam. Os dedos dos pés estavam gelados, inquietos. O coração batia num ritmo frenético, como se um ataque cardíaco estivesse invadindo meu peito. Passei a noite toda conhecendo meninas, comendo pratos exóticos e cheirando lençóis das camas de hotel. Nunca tive vontade de viver o futuro, conhecer meus próximos passos. Vivi esse tempo todo pensando totalmente ao contrário, querendo me distanciar e retardar ao máximo que me aguardava mais pra frente.

Não aquela noite. Se eu pudesse teria pulado ela da minha vida e ido direto para a viagem. Havia colocado o relógio para despertar às 8 oitos, mas às 7 eu já estava na cozinha, fazendo sanduíches para comer no caminho. Enfiei tudo na mochila, olhei para a porta da casa. Senti minhas pernas bambearem. Não olhei para trás, rodei a maçaneta, bati a porta às costas e saí pela primeira vez em busca do meu futuro...

quinta-feira, 4 de julho de 2013

DIA 04

          A obrigação de decidir os rumos se sua vida aos 17 anos é algo totalmente absurdo, desumano. Com tão pouca vivência, como escolher o que vai fazer nos próximos 60, 70 anos? Essa pergunta amargurava meus dias e ia paulatinamente frustrando meus planos de escolher uma profissão.
     Nenhuma matéria da escola me agradava. Gostava de ler algumas bobagens, mas nada muito complicado. Contas? Jamais! A necessidade de fazer lições e provas de matemática ou física era uma das coisas que me faziam odiar a escola. Mas como não queria ver de vez meu plano ir por água a baixo, me obriguei a eleger uma matéria preferia. Por exclusão, fiquei com a história.
        Depois percebi que toda essa luta interna não me valeria de nada. A tal da matéria favorita não me ajudou a escolher uma profissão, ao contrário, restringiu ainda mais minhas opções.
        Outra ideia então reviveu minhas esperanças. Se vou escolher algo para fazer o resto da minha vida, tem que ser alguma coisa comum às minhas habilidades e aos dons naturais. Eu sei que isso deve fazer vocês pensarem: “Como um fracassado tem algum dom?”, e faz todo sentido esse pensamento. Se nessa época eu tivesse noção do meu futuro, com certeza teria me poupado desses esforços. Mas como não presumia o meu caminho, essa ideia me manteve animado algum tempo.

E o óbvio aconteceu. Não demorou para que eu percebesse a total ausência de dom ou qualquer habilidade que me pudesse fazer bom em algo. Chegava então o fim da busca por uma profissão, e surgia uma outra ideia para alimentar as minhas esperanças de sair do marasmo.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

DIA 03

Na medida em que o tempo passa, o fracasso vai se apresentando e se tornando perceptível na vida das suas vítimas. Como a sombra, que sempre anda ao seu lado e cresce exatamente na mesma proporção que você.
O meu décimo sétimo aniversário se aproximava, e com ele, sem que eu percebesse, o meu malogrado futuro. Um garoto aos 17 anos está em plena alteração de rota. É o momento onde o mundo se põe diante dos jovens olhos deslumbrados e se oferece com toda sedução possível, fazendo com que cada célula do corpo responda a esses estímulos numa extasiada euforia.
 Não as minhas. Nada de anormal acontecia dentro de mim. Todas essas novidades não me provocaram nenhum interesse, e acho até que passaram despercebidas pelas minhas células sensoriais. Tudo continuava na velha mesmice. Nenhuma perspectiva, nenhuma mudança, nada. Aliás, minto. Um fato tinha alterado (mesmo que não muito) os rumos da minha vida. Nessa época eu já não tinha mais o amigo que lhes contei na história passada. Aqui já fazia algum tempo que ele havia desaparecido. Os motivos não os revelo agora porque ainda faltam peças para formar o quebra-cabeça que foi nosso relacionamento. Em histórias futuras asseguro-lhes que voltarei a este ponto. Voltemos aos 17 anos, que é o importante agora.
Nessa idade foi que eu comecei a perceber os rumos que minha vida lentamente seguia. Confesso que neste momento o vazio dos meus dias começou a me incomodar, e procurando fugir dele busquei algumas alternativas. A primeira delas foi tentar descobrir a minha vocação. Nesse período a maioria dos jovens começa a encarar a primeira decisão difícil na vida: A profissão.

Para mim era ainda muito mais difícil, como você verá. Até então nunca tinha me feito aquela famosa pergunta: “O que vou ser quando crescer?”. Na realidade eu ainda não tinha pensado em crescer. Quando decidi pensar, já tinha crescido.

terça-feira, 2 de julho de 2013

DIA 02

O fracasso é apenas uma consequência dos seus próprios atos. É certo que ele acompanha também uma dose de azar, mas nada que tire de você a própria culpa. Ninguém escolhe o insucesso, mas todo fracassado aceita a sua condição e passa a conviver amigavelmente com ela.
            Meu insucesso já dava sinais de sua existência na época de escola. Não era bonito nem inteligente. Não gostava de esportes e muito menos chamava A atenção das meninas. Um aluno mediano, com o uniforme meio sujo, o óculos ensebado e os tênis gastos. Não tinha amigos e também não fazia questão de tê-los, afinal eu não saberia lidar com eles.
O mais próximo que tive de um amigo ficou lá no meu primário, terceira série (hoje o quarto ano). Um menino de fora que havia acabado de chegar na cidade. Os pais dele tinham se separado e mãe sofria constantes ameaçadas do pai que não aceitava a separação. Em uma de suas bebedeiras, o pai dele invadiu o apartamento, agarrou a ex-mulher pelo braço, enfiou-a pela janela e ameaçou jogá-la do décimo sétimo andar se o casamento não fosse reatado. Tudo isso na frente do filho, que contava na época apenas 8 anos. Assustada, ela decidiu fugir.
Lógico que nos primeiros anos de convivência eu não conhecia essa história e nem teria maturidade para entendê-la. Só fiquei sabendo o motivo de sua aparição na minha cidade em uma das nossas últimas conversas. Mas desde o momento que ele entrou naquela sala de aula, e na minha vida, eu já sabia que a história dele era diferente. O medo e o assombro que ele tinha no olhar denunciavam seu passado.

Fora esse amigo, sempre levei uma vida mais ou menos, o que acabou por me conduzir ao fracasso. Hoje, olho pra trás e não reclamo, não imagino como eu seria se tivesse lutado contra a correnteza e procurado um lugar ao sol. Como disse no começo, o fracasso é apenas uma questão de aceitação. Depois que você percebe sua condição, o mais fácil é conviver com ela sem arrependimentos.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

DIA 01

A melhor companhia de um fracassado é a cerveja. Se ele for daqueles que só bebem destilado, passemos então ao whisky. O fato é que a bebida torna o fracassado menos fracassado, mais alguém. Sempre fui desses. Vejo na bebida uma ótima companheira, amiga até. E antes que vocês me perguntem (se é que alguém se interesse por isso) não sou alcoólatra, em hipótese alguma. E é isso o que justamente me agrada no álcool. A sensação de ter suas percepções levemente alteradas mas sem perder o controle delas. Ter seus sentidos expandidos e seus medos minimizados. Esse ponto de equilíbrio entre a embriaguez e a leveza de espírito é, sem dúvida, um dos grandes prazeres da vida.
Outra peça que compõe o infindo cenário de um fracassado é o cinza. Nem preto nem branco, cinza. Todos os dias são cinzentos, chuvosos, com a mesma cara de que nunca acabarão. Isso tudo visto pela janela de um quarto escuro, abafado e com cheiro forte de cigarro. Um carpete barato, uma estante com livros que nunca foram lidos e uma escrivaninha com rabiscos e rascunhos totalmente descartáveis, mas que por mero desprezo não estão no cesto de lixo. Apertada em um canto uma cama de solteiro. Palco perfeito de um fracassado. Minha casa.
Já aviso aos possíveis leitores que a maioria de minhas histórias se passarão em cenários assim, quando não for exatamente esse. Do mais, bem-vindo ao meu mundo.