sexta-feira, 11 de outubro de 2013

DIA 22

Faltam 6 dias. Nos olhamos por alguns segundos, até que ele teve a primeira reação.
- Preciso falar com ela, velho. – Disse ele já entrando no quarto. Eu estava sem reação nenhuma. Não sabia o que falar, para onde olhar, o que fazer. Permaneci imóvel, em pé ao lado da porta, com a mão ainda sob a maçaneta, querendo empurrá-la de volta para a tranca e imaginar que nunca tinha havia tirado de lá.
            No desespero, procurei Clarice. Ela continuava sentada na cama, com os olhinhos arregalados. Sua expressão deixava bem claro que ela já esperava que isso acontecesse e, mesmo assim, não foi capaz de ficar menos surpresa. Ao encontrar meu olhar com o dela, aconteceu o que eu mais temia. O brilho que havia se instalado nos olhos de Clarice denunciavam, mais que isso: gritavam, que ela queria ter essa conversa. Fiz um gesto com a cabeça concedendo que ficassem a sós, puxei a porta levemente e enfim voltei a maçaneta para a tranca.
            Era ali o fim de tudo. Ou o começo de uma nova etapa. Mas para mim, o fim voltava a ser o caminho mais certo. Aquela situação havia reimplantado nas minhas entranhas a descrença, o negativismo e a infelicidade. Ouvi novamente o choro desesperado peculiar de Clarice, acompanhado de alguns sons esporádicos que sugeriam que ela esmurrava o peito do ex-namorado. Eles discutiam. Ele gritava e ela chorava. Algum tempo depois tudo ficou em silêncio, tive medo. Decidi sair dali, virei as costas e fui para a recepção do hotel.
            Lá fiquei olhando para a TV, sem prestar atenção em nada. Minha cabeça girava a mil, me deu uma vontade louca de chorar, mas me contive. Algumas lágrimas teimaram em descer, mas antes que escorressem rosto à baixo, enxuguei-as. Segurei o resto e fingi que prestava atenção no programa ridículo da TV. Passaram 15, 20, 30 minutos. Decidi sair. Fui andar em volta do hotel, ou em qualquer outro lugar que fosse.
            Não sei por quanto tempo andei e nem onde eu estava. Parei porque senti minhas panturrilhas formigando, o que me fez pensar que já teria andando bastante. Estava perto de uma praça, como na primeira noite que tivemos juntos. Sentei em algum banco, fiquei olhando para umas crianças que brincavam no parque. Uma delas caiu do balanço e, ao levantar, chorou descontroladamente. Senti uma inveja enorme, era tudo o que eu queria fazer.  Alguns minutos sentados ali e decidir procurar o caminho de volta. Me coloquei no sentido contrário que eu vinha, e com algumas informações pedidas, cheguei ao hotel. Por alguns instantes pensei que Clarice podia estar na recepção, aflita ou até ansiosa pela minha volta. Não, ela não estava lá.
            Fui adentrando o corredor, as palpitações do meu coração eram descontroladas e juro que se alguém se colocasse atento, poderia ouvir o barulho das batidas ecoarem pelo cômodo. Girei a maçaneta e me coloquei dentro do quarto. Não interessa se ele ainda estaria lá, se eles estivem juntos, se estivem juntos nus na cama. Eu estava pagando o quarto, eu ficaria ali.
            Quando entrei, Clarice veio ao meu encontro, parecendo inquieta da mesma maneira que estava antes de tudo acontecer.
- Era ele no telefone hoje de manhã, não era? – perguntei com um certo tom de rancor na voz.
- Uhum – respondeu ela.
- Você falou onde a gente tava? Lógico que falou, né? Como ele descobriria?
- Mas é que...
- Nada – gritei – Não é nada.
- Me escuta, precis....
- Não, não precisamos. Eu sei muito bem o que acontece agora, e quero me poupar dessa palhaçada toda. Tô vazando. – Gritei mais uma vez, de uma maneira que nem eu mesmo sabia que poderia gritar. Eu estava tomado de raiva, possesso. Nada naquele momento me faria racionar em alguma coisa sequer. Fui até minha mochila, que ela tinha arrumado pela manhã, peguei-a e joguei no ombro direito. Fui até o banheiro, recolhi minhas coisas e ela veio atrás de mim.
- Não faz assim, cara. Vamos conversar! Não dá pra fazer isso depois de tudo que a gente viveu aqu....
- Não dá mesmo, ué, Não dá. Mas quem fez, foi você.
- Mas você nem me escutou ainda, espera!
- E precisa? Precisa? Mesmo? Olha para você e veja se precisa. – Continuei andando. De saída do quarto, peguei minha carteira, joguei algumas notas na cama.
- A diária vale até amanhã. Quando você sair, acerta lá. – E fui me retirando. Ela avançou em mim, puxando meu braço, me olhando com lágrimas nos olhos.
- Cara, me solta. Chega, deu pra mim. Só quero voltar e esquecer isso, tô indo. – Ela se jogou na frente da porta e colocou forçou as mãos contra o meu peito. Empurrei-a de lado, abri a porta:

- Nem pensa em vir atrás de mim, não quero passar vergonha na rua. Tchau – Bati a porta e deixei ela lá dentro. Na recepção avisei a moça que Clarice ficaria até amanhã e faria o pagamento. Quando saí do hotel dei uma última olhada para trás, ela estava na recepção, sentada no sofá, chorando. Voltei meus olhos para frente, chamei um táxi na porta, e fui para a rodoviária.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

DIA 21

Faltam 7 dias.  Era nossa penúltima noite no hotel, e isso me trazia uma certa apreensão, uma incerteza. Como seria tudo depois da viagem? Será que continuaríamos juntos? Eu nem sabia onde ela morava, só sabia que era na mesma cidade. O encanto ainda pairava sobre tudo ao nosso redor, porém, um horizonte cinzento e incerto começava a apontar na paisagem.
Decidi não conversar com ela sobre isso durante nossas últimas horas da viagem. Não sabia o que aconteceria, então era melhor não arriscar e pôr tudo a perder. Mas, cedo ou tarde, essa conversa teria que acontecer, planejei para que fosse no ônibus, durante o trajeto que nos levaria de volta ao nosso mundo real. Perdido nesses pensamentos eu vi o sol nascer, se espremendo no feixe que se formou entre as cortinas mal fechadas e tomando o quarto. A luz alaranjada banhou nossa cama e acordou Clarice, que dormia ao meu lado. Ela abriu os olhos lentamente, esfregou-os e voltou-se para mim. Deu um sorriso que me fez esquecer tudo que pensava até ali. Beijei-a.
- Bom dia, lindo! Já tava acordado? Quê que aconteceu? Sempre acordo primeiro que você – Perguntou ela.
- Ué, não sei. Acordei sozinho. Estranho mesmo.  
- Hum...faz muito tempo?
- Não, nada. Uns 10 minutos só – menti.
- Ah. Então aproveita que você está invertendo os papéis e busca o café hoje então, enquanto eu tomo banho. Pode ser?
- Ué, claro! Deixa eu me vestir então – Disse sorrindo enquanto tirava meu braço que estava embaixo dela.
Me levantei, fui até as mochilas, que por sinal nunca tinham sido arrumadas desde que chegamos, peguei alguma coisa e fui para a sala do café. Cheguei lá e peguei o que ela gostava: Suco de uva, pão com requeijão e um pedaço de bolo de cenoura. Tentei organizar tudo dentro da bandeja para facilitar a minha viagem até o quarto, mas minha falta de destreza era tamanha que por várias vezes quase derrubei todo nosso café da manhã.
Quando cheguei no quarto, Clarice estava no telefone. Percebi uma certa inquietação na maneira de falar dela, um estranho nervosismo.
- Vou desligar, depois a gente se fala. Tá tudo bem. Tchau – desligou correndo.
- Quem era? Você ficou nervosa.
- Ah, minha mãe me enchendo porque eu já deveria ter voltado e ainda tô aqui. Mas não esquenta não que já tá tudo certo. Já expliquei.
- Ah, ok. – Achei estranho. Ela nunca tinha mencionado a mãe ou ninguém da família, isso me fez pensar que para eles, o fato dela estar viajando não importava tanto assim. Esse tempo todo não a vi recebendo nenhuma ligação, mas concordei que já era hora.
Comemos o que eu tinha levado, e ela fez questão de ressaltar que havia lembrado tudo que ela gostava. Ganhei um monte de beijinhos por causa disso. Ela estava pronta para sair, então fui para o banho, já que hoje, especialmente, tínhamos invertido os papéis. Ela ficou no quarto, começando a organizar o emaranhado de roupas sujas e limpas que havia se formado no canto do quarto.
Estava lavando o cabelo, quando escutei a porta se abrir. Ela invadiu o boxe, entrou debaixo d`água de roupa e tudo e começou a me beijar. Abracei-a pela cintura, e meu corpo terminou de molhá-la, ela passava as mãos pelo meu cabelo, como se quisesse ajudar a enxaguá-lo. Comecei a tirar sua roupa, que estava bem mais pesada que o normal, por conta da água, até que ficamos, nós dois, nus. Nos amamos no chuveiro e terminamos na cama.
Decidimos então ficar no hotel aquela tarde. Era a última antes de embarcarmos de volta e, por isso, queríamos mais tempo para nos curtir. O clima estava quente, bem praiano, mas ligamos o ar condicionado, deixamos a temperatura mais baixa, e ficamos debaixo dos lençóis. Fazendo nada. Conversando, trocando carícias. Entre uma saída para almoçar, intervalos para ir ao banheiro, pegar o controle remoto da tv ou alguma comida, ficamos ali o dia todo.
Já no fim da tarde o interfone do quarto tocou. Atendi, era a recepcionista do hotel dizendo que tinha alguém que queria nos ver. Fiquei assustado. Quem me procuraria tão longe, se nem em casa me procuravam? Pedi para ela liberar a entrada e contei para Clarice. Vi seus olhos se arregalarem como se vissem um fantasma. Ela empalideceu e ficou muda. Poucos segundos depois a campainha do quarto tocou. Clarice me secou, ainda estática, até que eu chegasse na porta. Abri. Dei de cara com o cara que tinha abraçado Clarice na rodoviária.

   

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

DIA 20

Faltam 8 dias. O afeto que nos tomou criou um novo clima, um novo ambiente, como uma redoma de vidro. Tinha criado um universo paralelo, que nos acolhia tão maravilhosamente e nos fazia os únicos habitantes daquela realidade. A manhã que se seguiu à nossa noite de amor foi bem menos estranha do que eu temi. Como de costume, ela acordou antes de mim, já tinha se trocado e saía para a sala do café. Quando me despertei fiz questão de não avisá-la. Esperei que deixasse o quarto, assim teria mais tempo para pensar nas possibilidades que nosso primeiro encontro após o acontecido teriam.
            E se ela tivesse se arrependido? Se não tivesse passado de um momento, apenas? Será que ela teria vergonha de me olhar? Eu sem dúvida tinha. Nunca havia lidado com essa situação pós-transa, não sei como devia agir e muito menos como ela reagiria. Continuei deitado, naquela morbidez matinal, esperando que uma ideia caísse dos céus, ou de qualquer outro lugar. Clarice chegou antes da ideia, sem chegar a uma decisão, voltei a fingir que dormia. Diferentemente dos outros dias, ela veio me acordar. Senti sua presença, de leve, avançando pela cama. Segundos depois ela me deu beijo, que acompanhava um gemido me pedindo para acordar.
- Bom dia! – Ela falou quando abri meus olhos, bem devagar para não destoar e denunciar minha encenação
- Bom dia, tudo bem? -  Respondi com naturalidade, sugerindo que nada tivesse acontecido.
- Tudo, e aí, dormiu bem?
- Dormi.
- Nossa, como assim, dormi? Só? Nem parece que...
- Ué, não. Dormi muito bem mesmo, é que ainda tô meio sonolento – menti.
- Hum...esperava que você acordasse mais feliz, sei lá. Eu acordei...
- Eu também, Clari. Desculpa, vem cá – falei abrindo os braços na esperança que ela se acolhesse entre eles.
- Ah, tá! – exclamou mais animada, respondendo ao meu gesto. – Clari? Nunca haviam me chamado assim – soltou uma risada – gostei. Vem aqui comigo. – me puxou da cama, sem ao menos me dar tempo de vestir melhor. Pegou na sua bolsa a carteira de cigarros, que eu nem lembrava que existia, e acho que ela também não, já que durante todo esse tempo não senti cheiro de fumaça ou nicotina nela.
-  Já fumou? – perguntou.
- Não.
- Sério?
- Aham
- Então fuma um desses comigo, só pra relaxar.
- Ah. Não. Acho que não faz meu tipo isso aí...deixa pra lá.
- Só um! Eu quase nunca fumo, muito as vezes. Você nunca ouviu falar que depois de...
- Já! Que é costume, né? Mas não levo a sério...
- Eu também não, mas...Ah vai logo – foi me empurrando um, enquanto tentava acendê-lo. – É só não puxar muito forte, deixa o fumo queimar naturalmente, devagarzinho... – Explicou colocando o cigarro na minha boca. Senti novamente o gosto amargo da nicotina, que obviamente não contaria a ela que já tinha conhecido naquela circunstância ridícula. Segui o que ela falou, não traguei e deixei a fumaça, aos poucos, entrar em minha boca. Para minha supresa não me engasguei de novo, nem senti ânsia de vômito. Suportei aquilo, e me senti aliviado por não passar mais uma vergonha na frente dela.
- Viu? É Tranquilo...
- É – concordei baforando uma nuvem de fumaça. – Ficamos mais algum tempo por ali, ela pegou um e me acompanhou. Terminamos de fumar, tomei um banho e nos preparamos para sair mais uma vez. Os dias iam se passando, a viagem ia acabando e tínhamos mais alguns lugares para aproveitar.


sábado, 31 de agosto de 2013

DIA 19

Faltam 9 dias. Depois daquele beijo as coisas mudaram entre nós. Deixamos de nos tratar como apenas amigos e algumas outras intimidades surgiram no nosso relacionamento. Porém, não éramos e também não agíamos como namorados, um meio termo entre amizade e namoro resumia bem nossa relação. As coisas iam bem, a tensão latente de antes e depois do beijo ia desaparecendo gradativamente, deixando tudo ainda mais prazeroso.
            Passávamos os dias fora, como desde o início da viagem, e a noite voltávamos para o hotel, onde podíamos curtir mais um ao outro. Por conta da nossa nova condição, ela tomava bem menos cuidado com algumas situações. Antes, as trocas de roupa eram tensas, feitas no banheiro com bastante cuidado. Agora não, ela saía do banho apenas de toalha e passava por mim sem grandes constrangimentos. Dormir ao lado um do outro também deixou de ser uma tarefa complicada e tinha se tornado um momento de grande expectativa e, pelo menos da minha parte, de excitação.
            Em uma dessas noites tínhamos chegado da rua, e cansado, deitei. Poucos segundos depois ela me acompanhou e se acomodou ao meu lado. Nos beijamos por alguns instantes, no final do beijo, senti sua boca no cantinho da minha orelha. Com a respiração ofegante, a voz bem baixinha ela soltou:
- Tô com vontade. – Meu coração voltou a acelerar, como nas primeiras vezes em que conversei com ela. Fiquei meio atordoado, sem saber o que fazer.
- Do que? – Perguntei, sem perceber o quão ridículo soava aquela indagação.
- Ué, você sabe...Você, nunca, né?
- Não...
- Fica tranquilo, não precisa ter vergonha. – Ela se levantou, desligou a luz e voltou para a cama. Senti seu calor se aproximando de mim, Ela tirou a blusa e a pouca luz externa iluminava ao mínimo o quarto e deixava à mostra a silhueta dos belos seios que ela tinha, ainda parcialmente escondidos pelo sutiã. Tudo ficava ainda mais excitante.
Senti seus lábios no meu pescoço, subindo até o inicio da minha orelha. Passava a mão nos meus ombros, as vezes descendo até o peitoral. Ela se aproximou, senti seus peitos, me arrepiei dos pés à cabeça. Como numa valsa, Clarice ia conduzindo aquela dança. Tirou minha blusa, se envolveu entre meus braços. Ainda trêmulo, acariciei suas costas e senti que ela também se arrepiava com meus toques. Desabotoei seu sutiã e levemente, senti ele escorregar entre nossos corpos. Meus pensamentos viajam à lugares jamais imaginados, meu corpo vivia um turbilhão de sensações que me faziam entrar em delírio. Paulatinamente ela ia se despindo completamente, elevando meu estado de excitação à um ponto que eu sempre pensava que não era possível aumentar. Percebendo que eu não seria capaz de fazer muitas coisas, ela ia tomando as ações por mim. Me entreguei por completo a ela, e nos amamos naquela noite.
Durante toda a madrugada permanecemos num clima diferente. Nos intervalos, conversávamos sobre tudo que havia acontecido entre nós, desenrolando como uma fita a sucessão dos fatos que nos levaram até aquele momento. O ônibus, a velha gorda, o namorado, o encontro no hotel. A soma disso tudo tinha resultado no momento mais especial da minha vida. Não por perder a virgindade, mas por ter enfim lutado e conseguido alguma em coisa em minha vida. Queria que aquele momento durasse por toda a eternidade.

            

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

DIA 18

            Faltam 10 dias. Fui e voltei da lanchonete pensando no acontecimento daquela tarde, visualizava e interpretava as reações e caras de Clarice ao saber dos meus reais sentimentos. Elaborava e tramava hipóteses, tentando lutar contra a negatividade tão característica minha, mas que por aqueles dias andava tão ausente que parecia ser sumido de vez. Os olhos dela se arregalando vagarosamente ao ouvir minha declaração era a cena que mais mexia comigo, me preocupava.
Tive a sensação de que ela não esperava que isso fosse acontecer, pelo menos naquele momento. Minha ingenuidade e timidez a faziam pensar que eu não seria capaz de cultivar algum sentimento do tipo, e mesmo se cultivasse, não teria coragem de expor. Na verdade ela tinha razão, eu não teria coragem de tudo isso mesmo, se não fosse minha vontade de mudar tudo. Esse era meu novo norte, meu rumo.
Cheguei ao hotel, parei diante da porta. Antes de abri-la tentei adivinhar o que aconteceria logo depois. Não tinha mais o que ficar pensando, estava feito e agora precisava ser encarado. De leve fui abrindo a porta, o breu característico de fim de tarde encortinava o quarto e escondia tudo que havia lá dentro. À medida que abria a porta, a pouca luz que vinha de fora iluminava o aposento, formando gradualmente a silhueta dos móveis. Entrei e vi Clarice sentava na cama, com as pernas cruzadas. Sua cabeça estava baixa, assim como os ombros. Quando percebeu minha presença, ergueu de leve os olhos:
- Vem cá, senta aqui. -  disse bem lentamente, quase soletrando cada palavra. Deixei o lanche sobre a mesinha de canto e sentei ao seu lado na cama.
- Andei pensando no que você falou. Tava no banho, não conseguia deixar de lado.
- Hum...olha, não tem problema se....
- Espera, deixa eu falar. – Falou com um tom meio ansioso, impaciente talvez.
- Tá. – respondi meio desconcertado.
- Você foi super fofo comigo desde o começo. Lá no ônibus mesmo, sempre me deu atenção e se preocupou comigo. Qualquer um tinha pulado fora nas situações que eu te meti. Você não, ficou ao meu lado quando eu mais precisei. Cuidou de mim sem nem me conhecer direito. – A essa altura eu já não sabia mais o que pensar. Paralisado atrás da porta do quarto imaginei que ela ignoraria a situação, tentasse contornar as coisas até que o assunto chegasse ao fim naturalmente.
Mas não. Não era isso que estava acontecendo. As palavras dela pareciam levar a situação a um rumo totalmente inverso e me fazia tremer compulsivamente. Ela se aproximou, o calor do seu corpo entrava em rota de colisão com o meu, até que suavemente os lábios dela repousaram sobre os meus, fervilhando o sangue que corria em minhas veias. O toque de nossas bocas me fez arrepiar. O atrito ia aumentando, os movimentos se aceleravam e em poucos segundos nos beijávamos com intensidade. Os braços dela envolviam meus pescoço, com a ponta dos dedos acariciava minha nuca onde iniciava o couro cabeludo, algumas vezes segurando meu cabelo.
Fomos nos separando aos pouquinhos, curtindo o fim daquele beijo. Antes de descolar nossas bocas, ela me deum último beijo, de leve, um selinho. Olhou para mim, deu um sorriso bem:
- Você tá me fazendo muito bem – disse ela, repousando sua cabeça sobre meus ombros.

- Você também – respondi, completando o abraço que ela iniciava. 

sábado, 17 de agosto de 2013

DIA 17

       Faltam 11 dias. Na manhã seguinte tudo ocorreu normalmente. Saímos, conhecemos alguns lugares, batemos perna por aí. Percebi que nossa sintonia estava mais afinada do que nunca, deixando cada segundo da viajem ainda mais maravilhoso. Os receios e as vergonhas iam desaparecendo, e nesse ponto, acredito que estavam reduzidos ao mínimo.
            Durante a tarde voltamos à praia, o dia estava bonito e um banho de mar seria perfeito. Por algum tempo permaneci alheio à Clarice e tudo que se passava entre nós, para curtir o visual e me deixar levar junto com o movimento das ondas. Sentei na beirada do mar, onde, se a onda viesse com força, a água alcançaria apenas os meus pés. O céu estava azul, bem azul, se misturando com o azul marinho e tornando quase imperceptível a linha horizontal que separavam o mar do céu. As nuvens e alguns pássaros se misturavam no infinito, parecendo dançar naquele esplendoroso palco.
            Fechei os olhos lentamente, puxei o ar até encher o peito, segurei alguns segundos e soltei. Abri os olhos e a cena ainda se passava exatamente com eu a tinha deixado.  Minha vida inteira eu tinha me privado dessa e outras belezas que o mundo proporciona. Estava tudo errado, e enfim eu tinha enxergado isso. Mais que enxergar, estava disposto a mudar e reverter essa situação, imediatamente. Olhei para trás, Clarice estava deitada de costas, tomando sol. Me levantei, desci até encontrar o mar, molhei as mãos, passei no rosto e dei uma última olhada par ao horizonte.
            Fui até onde Clarice estava, e antes de chamá-la, respirei fundo:
- Clarice – disse com tom de voz firme.
- Oi, já quer ir embora? Tô levantan...
- Não, não é isso. É que fui te falar ontem, mas não consegui. Tô gostando de você. – Ela franziu a testa, apertou os olhos que estava firmes em minha direção. Fiquei preocupado, ela se pareceu mais surpresa do que eu esperava, mesmo assim não me arrependia.
- Ahn...gostando, tipo gostar? – Respondeu totalmente desconcertada.
- É, tipo. Sei lá, você apareceu tão repentinamente e mudou tudo na minha vida. Nunca senti isso, gosto mesmo. – Sua expressão de susto ia aumentando na medida que minhas palavras chegavam aos seus ouvidos.
- Ah, ahn. Também me surpreendi com você, mas tipo. Não sei, acabei de viver tudo aquilo, ainda tô meio confusa.
- Não tudo bem. Não estou te cobrando nada, só queria q você soubesse. Não quero mais deixar de tentar, sempre deixei de lado. Agora não.
- Ah, de boa. Tá tudo bem. – Ela se levantou, me deu um beijo no rosto.
            Pegamos nossas coisas e voltamos ao hotel. Em silêncio, nenhuma palavra saía de nenhum de nós. Fiquei com medo do que poderia acontecer, podia ter estragado tudo e destruído toda nossa relação e jogado no ralo toda intimidade que tínhamos criado em tão pouco tempo. Chegamos ao quarto, ela foi pro banheiro:
- Vou tomar um banho, pra tirar o óleo, tá?
- Tá, enquanto isso vou comprar algo pra comer, quer alguma coisa?
- Pode trazer o mesmo que comprar pra você.

- Beleza. – Ela entrou pro banheiro e fechou a porta. Eu saí, e comigo o medo de ter colocado tudo a perder.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

DIA 16

Faltam 12 dias. Naquela tarde, nada de interessante ou digno de ser relatado aconteceu. Almoçamos perto da praia, voltamos ao hotel, tomamos um banho e dormimos um pouco. Alguns assuntos superficiais surgiram, ocupando boa parte do nosso tempo e relevando que nossa relação estava cada vez mais íntima e natural. Eu nunca havia me entregado tão rápido assim a uma pessoa, com ela era diferente.
Não precisava de esforço, de ensaios, de nada. As coisas fluíam, iam acontecendo, simples assim. Como minhas experiências sociais eram quase nulas, me perguntava se toda essa compatibilidade que nós tínhamos era normal com todas pessoas, ou se era um fato raro, que podia indicar algum tipo de ligação especial entre eu e Clarice. O meu novo eu preferia acreditar na segunda opção, ainda que tivesse um pé atrás. O antigo tinha certeza que a primeira era correta, e nem se dava ao trabalho de analisar a outra opção. Mas agora o momento era do novo, ele decidia o que fazer ou não. A decisão de ser diferente, mudar minhas atitudes e minha vida estava mais firme do que nunca dentro de mim. O único medo que eu tinha agora era o de não fazer.
Naquela noite eu estava decidido a falar com ela. Expor meus sentimentos e ver no que dava. Clarice não podia estar alheia a tudo, eu não era bom em mentir e esconder as coisas, ela mesma tinha me dito isso. Observadora e atenta como era, já teria flagrado mil vezes meus olhares, percebido todo meu nervosismo ao falar com ela. Não a pegaria de surpresa, o que poderia ser fatal. Pela primeira vez eu estava vencendo a minha infinda batalha interna. Estava tão perto que desistir tinha deixado de ser uma opção. Iria falar com ela a qualquer custo.
Nos preparávamos para dormir quando eu resolvi falar com ela;
- Clarice, quero falar com você. – Assustei-a, com um tom de vez mais elevado do que o normal
- Ué, tá. – ela se aproximou da cama, onde eu estava – O que foi?
- É que...- minhas mãos começaram a suar. Meu peito parecia uma quadra de escola de samba, o coração parecia alçar vôo. – eu...tava pensando e...
- O que foi? Tá tudo bem? Você parece meio nervoso, está passando mal?
- Não, tá beleza, é só que... – Eu não ia conseguir. Estava deixando-a preocupada, não queria criar um clima tenso antes de revelar tudo. A viagem estava apenas no começo, ainda teria tempo – Queria te agradecer por ter ficado comigo, aqui. Minha viagem não seria tão legal se eu estivesse sozinho.
-Ah, cara! Era isso? Eu que tenho que agradecer por tudo que você tem sido pra mim! Teve paciência comigo, nem me conhecia e me deu toda a atenção do mundo. Obrigado você! – Disse, aliviada da tensão que se criara durante o diálogo.
            Ela me abraçou. Um movimento forte, intenso. Senti ela me apertando, cravando as unhas no meu ombro, como se não quisesse perder o que recentemente tinha ganhado. Precisava proteger o que era seu, a qualquer custo. Esse gesto me fez ter ainda mais certeza de que eu precisava falar com ela. Poderia estar iludido, exagerando nas interpretações, mas poderia estar certo. Era uma dúvida que só tinha uma única maneira de ser resolvida, e seria.

            Mesmo não sendo naquela noite, fiquei feliz com o acontecido. Aquela abraço significou muito para mim, me deixou mais seguro. Quando deitamos ela me deu um beijo no rosto, soltou um sorriso no canto da boca acompanhado por uma piscadela. Depois de passar a primeira noite quase em claro ao lado dela, senti que essa noite seria diferente. Estava mais tranquilo, mais relaxado. Me entreguei ao sono, e dormi profundamente.

domingo, 11 de agosto de 2013

DIA 15

Antes de começar os relatos de hoje, preciso explicar um detalhe. Alguns fatos e dias de pequena importância para a história serão apenas citados ou nem isso, para evitar que me prolongue demais. Além disso, a partir de hoje, farei uma contagem regressiva para o fim dos meus escritos. Faltam 13 dias.
            Ir à praia era uma coisa extremamente incomum na minha vida, por isso tinha sido o destino escolhido. Queria afastar a monotonia, espantar a mesmice e buscar coisa nova, e como só tinha visitado o litoral apenas quando criança, decidi que poderia ser a praia a maior aventura. De certa maneira tinha me enganado, já que uma grande paixão tinha tomado esse posto para si. De qualquer maneira, o contato com a areia, com o mar me fez muito bem.
Chegar àquele cenário paradisíaco me fez esquecer por alguns dias a medíocre vida que eu levava. A tamanha beleza daquele lugar me hipnotizou, me transportou para um mundo que eu não conhecia, me fez enxergar novos horizontes. Os grãos de areia em contato direto com meus pés, a maresia batendo no meu rosto, sacudindo num movimento frenético meus cabelos, a mão esquerda de Clarice repousada no meu ombro. Um momento de rara paz e felicidade na minha existência, que jamais foi esquecido por mim.
Passamos algumas horas na praia, a maioria do tempo debaixo do guarda sol, devido a minha baixíssima resistência ao sol mesmo besuntado de filtro solar. O que não impediu em nada que nos divertíssemos muito conversando e observando as demais pessoas que estavam ali. Algumas até eram dignas de comentários, as vezes de caráter meio maldoso, porém, engraçados. Mas o clímax do passeio foi uma das nossas idas ao mar, quando aconteceu um fato digno daquelas novelas bem melodramáticas da tv. Ela me desafiou a mergulhar contra uma onda, atravessá-la. Como era apenas minha segunda vez no mar, estava ciente de que teria sérias dificuldades pra isso, porém, não queria mostrar mais uma fraqueza à ela e decidido a encarar, aguardei a onda. Quando ela surgiu próximo de nós, me preparei e vi que ao meu lado ela também se posicionava. A onde chegou mais forte que imaginávamos e ao invés de atravessarmos, fomos engolidos por ela. Naquela turbilhão de água senti meu corpo chocar o dela com uma violência até considerável. Durante alguns segundos tivemos totalmente entregues à vontade das águas, até que o fim da onda nos arremessou na areia, um sobre o outro, colados.
Quando percebi a posição que nos encontrávamos, senti meu corpo queimar. Não por excitação, e sim por vergonha. Estava tenso, apenas aguardando alguma reação de repugnância ou indignação da parte dela. Mesmo assim não me movi, um dedo sequer. Me mantive ali, por debaixo daquele corpo quente e molhado que me prensava suavemente contra a areia. Para minha total surpresa, ela deu uma gargalhada e disse:
- Nossa, cara! Você é maluco? Pulou em cima de mim. Sabe nadar no mar não?
- A culpa não foi minha, ué! A onda que veio grande demais, viu não? Duvido que você conseguiria furar essa
- Nunca duvide de mim – falou ela, já diminuindo o volume das gargalhadas – E é logico que conseguiria!
- Sei não. – completei encerrando o assunto.

            Ela se levantou, deixando os seios bem salientados, numa visão estonteante. Não os encarei por muito tempo com medo que ela percebesse. Peguei em sua mão, me levantei também e fomos nos sentar de novo sob o guarda sol. Não consegui tirar o acontecido da minha cabeça. Ficou lá, martelando em minha mente, atordoando meus sentidos. Pouco tempo depois fomos embora. Eu ainda carregando a cena comigo.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

DIA 14

Acordei no outro dia por volta das 11 horas. Nunca fui de levantar tarde, pelo contrário, normalmente às 8 eu já estava de pé. Mas toda aquela carga emocional tinha me levado à exaustão. Além disso, eu tinha dormido muito tarde, justificando esse fato raríssimo na minha vida.
Olhei para o lado na expectativa de ver Clarice, mas não a encontrei. Me levantei, fui até a porta do banheiro, bati, ninguém respondeu. Abri a porta lentamente, estava vazio. Onde será que ela estaria? Resolvi esperar, fui tomar um banho. Pouco tempo depois escutei barulhos no quarto, denunciando que ela havia chegado. Mesmo sabendo que ela voltaria, senti aliviado ao ter certeza que estava lá. Lavei meu rosto, desliguei o chuveiro, peguei a toalha. Me sequei, quando estava enrolando-a em minha cintura, a porta do banheiro se abriu num rompante:
- Ah, desculpa! Você estava aí? Não sabia, desculpa! – disse assustada, enquanto fechava a porta quase na mesma velocidade em que a abriu.
- Nossa, cara, quase me matou de susto! – respondi envergonhado – Tô saindo já, terminei. Onde você tava? Acordei tarde, não te achei.
- Tava no café. Até te esperei, mas a cantina fechava as 10 e vi que você não ia levantar mesmo, fui lá.
- Nossa! É mesmo. Podia ter me chamado, tô com fome. Agora vai ater que ir achar uma padaria pra me levar.
- Vou não. – respondeu ela, entrando no banheiro e dessa vez, trancando a porta.
Na mesinha do quarto estava preparado o meu café-da-manhã. Pães-de-queijo, um pedaço de bolo de chocolate, uma maça e um copo de leite. Fiquei surpreso com aquela atitude, passando a admirá-la ainda mais. Me vesti rápido, antes que ela voltasse para o quarto e mais uma vez me pegasse de modo constrangedor. Quando me sentei na mesa, ela saiu do banheiro:
- Eu não sabia o que você gostava, trouxe isso. Acertei? – indagou com uma doçura que acentuava ainda mais meus sentimentos por ela.
- Uhum, na mosca. – respondi, provocando um sorriso em seu rosto. – Obrigado!
- Ainda bem. Tá uma delícia, principalmente o pão-de-queijo. – Ela foi até sua mochila, pegou algumas roupas e voltou para o banheiro. Vê-la de toalha já era algo mais natural, tendo em vista que nossa relação avançava a passos largos. Enquanto eu comia ela voltou, já vestida. Sentou ao meu lado.
- Vamos à praia? O sol tá ótimo hoje!
- Ué, vamos. Você que vai ser minha guia turística.
- Beleza. Come aí então, para gente ir.
- Tá.

Durante meu desjejum conversamos algumas coisas, fazendo várias rotas e planos futuros. Enfim começaríamos nossas aventuras, depois de um primeiro dia turbulento e abarrotado de imprevistos. Ela parecia bem animada, pra quem tinha passado por uma situação tão delicada recentemente. Eu tinha perdido aquela passividade que me acompanhava a vida toda, e pela primeira vez em muito tempo me sentia vivo, pulsante, confiante de que tudo daria certo. Acabei de comer, escovei meus dentes e saímos.

sábado, 3 de agosto de 2013

DIA 13

Nem a escuridão total e nem o mórbido silêncio que inundavam o quarto me faziam dormir. Nenhuma outra condição natural seria capaz de me adormecer, talvez um sedativo muito forte. Meu estado de espírito não me deixaria apagar, queria curtir aquele momento o máximo possível, mesmo sabendo que ele ainda se repetiria algumas vezes. Poderiam ser quatro, cinco, mil noites ao lado dela, não importava, seria pouco.
            Totalmente paralisado na cama, eu apenas a observava. Encontrei uma posição que me permitisse obter a visão de cada pedacinho do corpo de Clarice. Limitei meus movimentos para que não a incomodasse, não queria por nada no mundo perturbar o descanso daquela linda criatura. Apenas meus olhos giravam calmamente em sua órbita, capturando e processando cada visão obtida.
            Ela dormia com um braço debaixo do travesseiro e a perna direita levantada, formando um ângulo agudo entre a panturrilha e a coxa. O short do pijama que já era curto, agora deixava as pernas ainda mais à mostra, por conta da posição. Os músculos se exibiam de maneira tão exuberante que me dava a impressão que eles sabiam exatamente o efeitos que tinham sobre seus admiradores. Era como o canto das sereias: de tão belo enfeitiçava e enlouquecia mortalmente os homens de boa fé.
            Eu estava ali, completamente submerso e entregue ao feitiço. Não queria por nada no mundo ser despertado, mesmo sabendo que aquilo poderia se encaminhar para um perigoso futuro, assim como nas lendas. Queria tocá-la. Sentir suas coxas, provar da maciez e delicadeza que estavam ali diante dos meus olhos. Alguns centímetros separavam minha mão das pernas dela, mas era perigoso. Poderia despertar Clarice do seu sono. Ainda mais, podia assustá-la e fazer com que toda confiança que tinha em mim desaparecesse. Poderia ser o fim de uma história que ainda nem tinha começado e eu nem sabia se iria começar. Era perigoso demais. Desviei meu olhar para um ponto do seu corpo que não pudesse oferecer uma atração física muita forte e me contive.
A ideia de procurar outros pontos para admirar funcionou como um tiro saindo pela culatra. Tudo nela era lindo, digno de profunda admiração. Os olhos fechados com suavidade, os ombros que saltavam ao pijama de alças, os cabelos ligeiramente desordenados, repousando sob o travesseiro. A cena dela dormindo me trazia num jato descontrolado excitação e ternura. Além de estar completado seduzido, eu estava apaixonado. Sim, apaixonado. Naquele momento tive consciência disso, não fazia questão de me enganar mais. Uma menina que eu conhecia a pouco mais de 48 horas era completamente dona de mim.

 Meu fascínio por aquela cena só ia aumentando com o aprofundar da madrugada. Não tinha a mínima noção de quanto tempo já tinha passado admirando-a e pensando naquela situação. Sabia que não poderia ser pouco porque a minha posição já se tornara incômoda e um vestígio de sono pairava sobre mim. Decidi então buscar o sono e interromper temporariamente meus devaneios. Dei mais uma última olhada para ela. Uma mecha de cabelo havia escorregado e encobria seu rosto. Com a máxima leveza possível, ajeitei-a para trás da orelha, e lancei um beijo em sua direção. Procurei meu travesseiro e fechei meus olhos.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

DIA 12 - parte II


O frio que tomava minhas entranhas já tinha se espalhado por todo meu corpo. A sensação de vê-la se aproximando era tão intensa que alguns momentos me faltou ar. Senti o colchão ceder ao meu lado, me arrepiei todo. Ela sentou, olhou para mim:
- Tudo bem? Se for te incomodar eu posso dormir lá na cadeira, é grande mesmo. – perguntou ela, já sabendo a minha resposta.
- Lógico que não, tá doida? Tranquilo, deita aí. – respondi me concentrando ao extremo para não deixar transparecer meu nervosismo.
- Então tá! – Completou já se deitando. Senti o corpo dela se apoiar todo sobre o colchão, deformando-o levemente. A sensação daquele encontro na porta do banheiro voltou com uma força ainda mais brutal. O cheiro da sua pele incendiava cada centímetro do meu corpo, atiçando minha imaginação e embriagando meus sentidos. Um fervor antagônico ao friozinho ansioso que eu sentia antes dela se deitar ia tomando conta de mim. Olhei para ela disfarçadamente buscando captar mais um motivo para alimentar meu desejo, e assustei ao ver que ela me encarava. Tinha nos lábios um sorriso travesso, o que a deixava ainda mais linda.
- Tá nervosão, né? – Falou gargalhando. – Dá pra ver! Você tá com uma expressão muito tensa.
- E...eu? Não, que...isso. Impressão sua! – Minha negativa acompanhada dessa irritante gagueira involuntária fez Clarice aumentar ainda mais o volume das risadas.
- Aí! Consegue nem falar! Calma, não vou te morder! – Disse entre as gargalhadas
- Hãm... pior. Tô nervoso mesmo...é que nunca deitei com uma menina. – Respondi admitindo a situação e constrangido pelo fato íntimo que essa afirmação revelava. Ela percebeu o meu embaraço e subitamente parou de rir. Achou minha mão por debaixo dos cobertores, agarrou-a e disse:
- Olha, tá tudo bem. Eu não queria te constranger com isso, desculpa. É que você ficou tão fofo nervoso! Me desculpa! – Confesso que essa frase mexeu muito comigo. Reviveu minhas esperanças e me fez soltar um sorriso. Sem o que responder, apenas olhei para ela, num sinal de que tinha aceitado as desculpas. Ela apertou minha mão antes de soltá-la.
- Além disso, você tá sendo um anjo comigo! Quem em sã consciência daria moral para uma louca como eu? Olha o tamanho do trabalho que estou te dando, ainda dormindo aqui de graça?
- Não é trabalho, Clarice, já te falei. Adoro sua companhia. Na verdade você está me fazendo um favor de ficar comigo – Quando acabei de falar percebi que ela me olhava com uma ternura até agora inédita. Se não era pretensão minha, confesso que também havia um pingo de admiração ali.
- Porque todos os homens não são assim, hein? Sorte de quem ficar contigo. – Cada segundo que se passava eu ficava mais envergonhado. Não era acostumado a receber elogios, muito menos de meninas. Além disso, ela falava com uma doçura que me fazia dar vida às minhas ilusões.
- Boa noite! Qualquer coisa me avisa tá? Pode acordar – Falou ela encerrando a conversa. Antes de deitar novamente, ela se aproximou e me deu um beijo no rosto. Ao se afastar, deu mais um daqueles sorrisos encantadores. Ajeitou o travesseiro e se enfiou embaixo das cobertas. Eu ainda fiquei um tempinho sentado, me deliciando com o toque suave de sua boca. Olhei para o lado ela já estava deitada. Me virei também e desliguei a luz.

sábado, 27 de julho de 2013

DIA 12 - parte I

A fome e o cansaço daquele dia bastante pesado nos fizeram optar por não andar muito, nem procurar algum restaurante. Perto do hotel tinha uma praça, e lá alguns pit dogs, o que já era mais que suficiente. Enquanto andávamos, pude observar com mais atenção, reparar nos detalhes da arquitetura, nas pessoas, no clima harmônico daquele lugar. Exceto pelo multidão que transitava nas ruazinhas apertadas, a grande maioria com cara de turista, aquele ambiente me pareceu bem interiorano, trazendo uma certa paz de espírito.
            Perdido nas minhas observações e trocando algumas palavras com Clarice, segui o caminho até o centro da praça, onde se concentravam as lanchonetes. Sentamos logo na primeira, o que não fazia diferença nenhuma. Pegamos o cardápio, logo o garçom se prontificou a anotar nossos pedidos. Rapidamente escolhemos a comida e despachamos o rapaz para outra mesa.
- E aí, achando tudo muito estranho né? – Disse ela ajeitando o cabelo atrás da orelha.
- Ué, não muito. Lógico que não esperava que isso fosse acontecer, mas...sei lá.
- Eu nunca esperava isso. Na verdade não esperava nada do que aconteceu. Só queria me divertir, sabe? Matar a saudade. E agora tá tudo tão diferente assim.
- É, tá mesmo. Nunca achei que conheceria alguém na viagem, muito menos que ia dividir o quarto. Mas tô até animado, acho que vai ser melhor.
- Acha mesmo? Tive a impressão que você se arrependeu. Sei lá.
- Não, de jeito nenhum. Quando decidi vir pra cá não pensei muito bem sobre nada, sabe? Só vim, sem mais. Decidi ficar à mercê do acaso.
- Viu no que deu? Foi confiar no acaso...Acabou com uma estranha dormindo no seu quarto. – Falou sorrindo, como se soubesse o quão bem ela estava me fazendo.
- É. – sorri junto – Pela primeira vez o acaso resolveu ser meu amigo.
- Seu amigo, porque? – Perguntou ela curiosa no que eu iria responder. Quando fiz a pergunta não tive consciência do que podia representar. Deixei escapar os meus sentimentos, agora teria que concertar as coisas.
- Porque viajar sozinho seria ruim. Ele me trouxe companhia, ué! – Tentei camuflar, acho que sem sucesso.
- Hum, tá. E...
- Licença, pessoal. Os sanduíches. – Interrompeu o garçom, se colocando entre eu e Clarice para chegar à mesa com nossos pedidos. – Qualquer coisa só chamar, tá?
- Beleza. – Respondi.
Quase não conversamos enquanto comíamos. O assunto que antes prometia encontrar rumos perigosos à minha intenção de esconder o que eu sentia foi deixado de lado e agora se resumia apenas em opiniões sobre a qualidade da comida. Melhor assim. Depois de comer, deixamos a lanchonete e caminhamos de volta ao hotel. Durante o percurso nos dedicamos apenas a planejar o dia seguinte, e mais uma vez aquela interrupção passou despercebida em nosso assuntos.
Chegamos ao hotel. À medida que aproximávamos do quarto eu ficava mais nervoso, não tinha como adiar. A porta trancada à minha frente e alguns passos eram as únicas coisas que me separavam de deitar com ela. Minhas mãos suavam frio, meu coração batia tão forte que desconfio que ela escutava cada pulsação. Eu não estava preparado, tinha medo da minha reação. Tentava não transparecer nada disso, mas estava cada vez mais difícil.
Entramos, Clarice foi para o banheiro trocar de roupa e eu me deitei. A cena dela saindo do banho voltou a minha cabeça, trazendo um misto de medo e excitação. Não tinha o que fazer, era enfrentar a situação, apenas. Ela saiu vestindo um pijama listrado, com linhas rosas que estampavam o fundo branco. O short era curto, revelando as coxas bem torneadas que ela escondia sob as calças jeans. Enquanto eu a mirava de cima a baixo, ela colocou a mochila na poltrona onde eu tinha dormido a tarde e, bem lentamente, veio caminhando em minha direção, ou melhor, na direção da cama.


quarta-feira, 24 de julho de 2013

DIA 11 - parte II

A cama de casal foi a primeira coisa que olhei no quarto. Dois lugares, dois. Duas pessoas dormindo num mesmo lugar. Um lugar, duas pessoas ou uma só. Nunca me imaginei nessa situação. Dividir a cama com alguém, mesmo que fosse apenas por dividir mesmo. Não sabia o que pensar.
            Muito mais do que eu, Clarice estava exausta. Se jogou na cama, bem parecido com o que eu tinha feito pouco tempo depois.
- Vou dormir um pouco, tá? Tô muito cansada. Mas não precisa ficar aqui. Vai andar por aí, tem lugares legais por aqui perto. Logo eu levanto também.
- Não, de boa. Vou esperar aqui, continuar lendo. Te espero.
- Você que sabe. – Disse ela tirando os tênis, e ainda de meia, se deitando do lado direito da cama.
            Ainda não tinha coragem de deitar ao lado dela, até cheguei a sentar na beira da cama, mas preferi esperar. Fui para a poltrona do quarto e fiquei olhando para ela, velando por seu sono. Os olhos ainda estavam inchados e vermelhos de tanto chorar, se tornando o ponto que mais chamava a atenção no seu rosto. Os cabelos estavam mal penteados, transparecendo todo o estado de desespero que ela tinha vivido naqueles últimos momentos.
            Demorou pouco para ela apagar de vez. Continuei mantendo nela todos meus olhares. Em uma das poucas fugas, percebi que da bolsa dela caía uma caixinha. Me pareceu cigarros, mas não acreditava que uma menina tão bonita e tão doce pudesse fumar. No meu mundo, fumar era coisa de desvirtuados, de perdidos. Fui até a bolsa, peguei. Era mesmo uma carteira de cigarros. Olhei com certo nojo para a caixa, mas com piedade para ela. As duas coisas não combinavam, não mesmo.
            Voltei para a poltrona, com os cigarros na mão. Pensei em falar com ela, mas não tinha intimidade o suficiente para isso, mesmo tendo que dormir ao seu lado em algumas horas. Se ela fumava, não poderia ser tão ruim assim. Abri a caixa, peguei um e decidi experimentar. Procurei na bolsa dela um isqueiro, lógico que teria. Achei, acendi a ponta com as mãos meio trêmulas e coloquei na boca. Aquela fumaça toda me sufocou logo na primeira tragada. Meu olhos arderam e o gosto da nicotina me deu ânsia de vômito. Tomado pelas tosses, fui para o banheiro apagar aquilo.
            Lavei meu rosto, enxaguei a boca e devolvi o isqueiro e os cigarros na bolsa dela. Não era pra mim. Voltei para a poltrona e de novo, a coloquei em meu campo de visão. Sem perceber, dormi. Acordei já era noite. As luzes acessas, a cama vazia. Assustei com a possibilidade de Clarice ter se arrependido de tudo e ir embora. Escutei barulho de água no banheiro, fui procurar. Bati a mão na maçaneta e a porta não se abriu. Estava trancada.
- Acordou? – gritou ela, debaixo do chuveiro
- Aham, acabei dormindo também. E aí, melhorou?
- Descansei. Deu pra relaxar. Nossa, a água está ótima! Você devia entrar depois!
- É, preciso mesmo.
- Vamos sair pra comer? Já tô com fome de novo. – Me convidou Clarice. Agora sim começava minha viagem.
- Beleza, tô te esperando aqui.
            Ela saiu do banho. De toalha abriu a porta sorrindo e passou por mim. O cheiro da sua pele, ainda com a fragrância do sabonete invadiu minhas narinas e arrepiou meu corpo. Eu estava cada vez mais enfeitiçado por ela. No banho essa cena voltou aos meus pensamentos muitas vezes, aguçando ainda mais minhas sensações. Uma vontade extra-humana me invadiu, acabei me tocando. Depois fiquei envergonhado, pensei no que tinha feito, era estranho, não faria de novo.
            Saí do banheiro, ela já estava pronta, me esperando. Um blusinha de alças, bem casual combinando com um jeans meio gasto. Nos pés um all star de cadarços brancos que estavam encardidos. Me vesti rapidamente e saímos para comer.




terça-feira, 23 de julho de 2013

DIA 11 - parte I

            Ela esboçou um sorriso e antes de sairmos do quarto, me agradeceu por tudo. Fomo conversando sobre a cidade até a entrada, ela me indicava os lugares bons, restaurantes, praias, resorts. Eu nem interessava muito em nada, qualquer lugar com ela já estaria ótimo. Quando chegamos na recepção a atendente fez um cara que deixava mais do que claro os seus pensamentos: "Ai meu Deus, os dois loucos de novo não."
            Clarice percebeu a expressão dela e ficou com vergonha. Antes mesmo que eu falasse alguma coisa ela se desculpou com a recepcionista, que entendeu a menina e até melhorou a expressão fácil, deixando transparecer uma certa simpatia.
- Moça, será que tem mais um quarto simples disponível? – Perguntei.
- Bom, deixa eu ver aqui. – Voltou os olhos para a tela do computador – Ish, garoto, quarto individual tenho apenas uma suíte luxo, que é bem mais cara. Você quer para o mesmo tempo que o seu? – Disse ela parecendo entender que o destino tinha pregado alguma peça em Clarice e que agora ela faria me companhia durante minha estadia.
- Sim. – respondi.
- Pois é, só tenho essa suíte luxo. Pode ser? – Disse ela parecendo constrangida por não poder me atender.
- Ah...quanto ficaria o quarto durante os 7 dia?
- Não, espera. Não vou ficar numa suíte luxo, ainda mais com você pagando, cara. Tá doido? – interrompeu Clarice.
- Mas onde você vai ficar? Quer olhar nos hotéis aqui perto, então?
- Tem quarto de casal, moça? – Disse ela sem olhar para mim, arrancando uma cara de surpresa da recepcionista e lógico, de mim.
- Casal, né? Hum...Vou verificar aqui. – Falou a moça, confirmando minha impressão de que ela estava espantado com aquilo tudo. Enquanto ela verificava eu olhei para Clarice e perguntei se ela tinha certeza.
- Você se importa? Por mim tudo bem. Fica até mais barato, eu acho. Mas você que sabe.
- Não, por mim...hã...tudo bem, ué.
- Beleza. E aí, tem?
- Tem, um quarto de casal simples. Os mesmo sete dias, né?
- E aí, vamos pegar? – Me perguntou com animação.
- Pode ser, moça. Troca minha reserva então.
- Ok. – Enquanto a troca era feita eu fiquei pensando no que seria de agora para frente. Há poucos minutos atrás eu nunca mais veria Clarice. Agora eu a teria no meu quarto, durante uma semana inteira. Pela primeira vez tudo estava dando certo para mim, incrível! Pelo menos era o que eu pensava naquele momento.
            A troca foi feita, passei no 101 e peguei minha mochila. Devolvi a chave e subimos para o 204. Clarice parecia ter esquecido parcialmente o que tinha acontecido com ela e se entusiasmava com a minha viagem, que agora era dela também. Por algum milagre eu consegui conter meus sentimentos, minha vontade de pular no pescoço dela e enchê-la de beijos. De falar o quanto aquilo tudo era novo e maravilhoso para mim, que ela tinha trazido novo sentido para a minha vida. Não falei nada, mesmo que algumas dessas coisas escapavam de mim através dos meus excessivos sorrisos.

            Quando fui destrancar a porta, senti a mão dela tocando a minha, apertando meus dedos. Girei a chave, ela apertou ainda mais. Abri a porta, entramos.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

DIA 10 - parte II

Me deparei com a Clarice, meio desesperada, tentando se comunicar com a moça da recepção. Ela perguntava por mim, qual era meu quarto, se eu ainda estava lá. Sim eu estava, e agora vendo tudo. Ela ainda não tinha se dado conta da minha presença, as palavras que ela balbuciava misturavam com o choro e aqueles pequenos soluços que ela soltava quando chorava. A mulher da recepção não entendia nada, e foi ficando cada vez mais assustada com o aparente desespero da menina.
- O que foi? – Decidi intervir naquela confusão.
- Ah! Te encontrei, graças a Deus! – Ela veio chorando, ainda mais desesperada, e me abraçou. Fiquei ali, surpreso, sem reação. Quando percebi o que se passava, levantei meus braços e de leve, envolvi o seu corpo. Aquele contato me deixou tenso. Eu não sabia  o que fazer, esperei ela tomar atitude.
- Vamos pro seu quarto? Preciso muito falar com você.
- Tá, calma. – Descolei meu corpo do dela, peguei na sua mão e levei até o 101.
- O que aconteceu? Porque cê está assim? – Perguntei assim que entramos.
- Não queria falar sobre isso, mas te devo uma explicação, né?
- Se não quiser falar, ué. Mas é estranho você aparecer assim, do nada, chorando.
- É que meu namorado ia buscar só mais tarde na rodoviária, aí eu cansei de esperar e peguei um taxi. Quando eu cheguei no apartamento dele, tinha outra menina lá. Ele ainda tentou esconder a vadia, mas eu não sou idiota...
- Nossa! E...
- Ah, cara, porque ele fez isso comigo? Era tão mais simples falar que não queria mais! Por que isso, porque? Ah não... - Os soluços voltaram e ela já não tinha mais condição nenhum de falar. Também não insisti, percebi que ela sofria muito falando daquilo. Eu nunca tinha passado por aquilo, nem por coisa parecida. Não sabia o que dizer, e não queria piorar nada. Apenas olhei pra ela e dei outro abraço. Ela se entregou completamente, e seu corpo pendeu todo sob meus braços.
            Ela ficou ali durante alguns minutos. Suas lágrimas caíam no colo e molhavam lentamente meu jeans, enquanto o vento que entrava pela janela se tornava a trilha sonora daquela cena. Deixei ela ficar o tempo que precisasse. Eu também não tinha pressa que aquele momento acabasse, na verdade nem queria. Ela se levantou, já cansada de chorar. Secou as lágrimas no rosto, ensaiou um sorriso e falou:
- Chega! Você deve estar me achando uma louca de novo. Mal te conheço e já dormi e chorei no seu ombro. Não bato bem mesmo!
- Relaxa, tá tranquilo. Eu não sei lidar com essas situações, sou péssimo. Mas até que gostei dessas experiências com você. Não, quer dizer...não que tenho sido legal você sofrer, ah...
- Entendi! Não precisa explicar não. – Falou ela, achando graça do meu embaraço. – Me desculpa, já vou indo. Se eu correr ainda pego o ônibus de hoje.
- Espera, você vai voltar?
- Ué, lógico!
- Não, fica aqui, ué! Você mesmo disse que a cidade é linda, que adora vir pra cá.
- Ah, não. Mas é que...nem tenho onde ficar. Ia ficar na casa dele, e nem trouxe dinheiro pra hotel.
- Não precisa, eu tenho aqui, de boa. Fica comigo? – No calor da conversa não tinha percebido o que tinha proposto pra ela. Quando me dei conta da situação senti minha cara corar, morri de vergonha.
- Ué, você quer que eu fique?
-Eu? Cla...claro! – Respondi sem graça.
- Mas e o hotel? Eu não tenho dinh...
- Não precisa! Eu tenho, de verdade!
- Tá, então. – Quando ela respondeu isso, toda aquela angústia que antes me consumia desapareceu. Não consegui esconder minha excitação, sorri. Olhei para ela, peguei em sua mão.
- Vamos lá pegar um quarto pra você, então?

- Vamos.

sábado, 20 de julho de 2013

DIA 10. Parte 1


            A caminho do hotel fiquei revivendo alguns momentos que passei com Clarice. A solidão que preenchia o espaço vazio dentro do carro ameaçava estragar meus planos. Quando planejei viajar, não contava com a presença de mais ninguém. Seria eu, apenas. Nem cogitei conhecer alguém, muito menos senti a necessidade de ter companhia. Agora não era mais assim. Aquela menina havia modificado tudo, e o vazio que antes era meu aliado, se tornava o grande vilão.
            Refém dos maus pensamentos, nem percebi o quanto demorava para chegar ao hotel. Não tinha noção de quanto tempo já havia se passado, só sabia que era muito. Já estava incomodado de novo, queria logo chegar. Tentando procurar algum sinal do tal hotel, comecei a reparar a cidade. Bem bonita mesmo, aconchegante. Com uma atmosfera bem turística, como se tivesse sido feito apenas para os visitantes. Isso me agradou, aliviou um pouco minha áurea ruim.
            Alguns minutos depois cheguei ao meu destino. Uma pousadinha bem simples, com acabamento rústico e alguns móveis já gastos. Agradeci ao motorista, paguei o que devia e entrei no hotel. A recepção era pequena, com um balcão de madeira clara e um computador bastante amarelado. O quadro que guardava as chaves dos quartos denunciavam os poucos aposentos que tinham o lugar. Achei melhor, nunca gostei de tumultos.
- Boa noite, garoto. Tem reserva? – Perguntou a recepcionista, cansada de esperar alguma manifestação da minha parte.
- Ah, sim. Boa noite! Fiz pela internet. – Entreguei o comprovante eletrônico que me garantia o quarto. Voltei minha atenção novamente para o lugar. Mirei umas poltronas velhas colocadas ao lado com uma mesinha de centro recheada de revistas entre elas. No canto uma TV pequena sintonizava muito mal um noticiário, sem nenhum telespectador naquela sala. Uma janelinha aberta deixava uma corrente de ar entrar no ambiente, amenizando o calor abafado do lugar.
- 101, nesse corredor à direita, tá vendo? – Falou a moça apontando a chave para mim e indicando o lugar com uma mexida na sobrancelha.
- Sim, obrigado. – Peguei o chaveiro, forcei um sorriso para parecer educado, o que não surtiu efeito, e fui para meu aposento.
            Era um lugarzinho pequeno, a cama coberta por um lençol azul claro, bem marcado pelo excesso de uso e um travesseiro fino. Uma toalha posicionada no canto da cama, com sabonete e um vidrinho de shampoo em cima. Na parede um suporte segurava uma tvzinha menor ainda do que a da recepção. Ao contrário do que possam imaginar, adorei o quarto. Aliás, a minha casa de hoje tem alguma inspiração subjetiva nesse quartinho de hotel.
            Cansado da viagem, joguei a mochila na beira da cama e deixei meu corpo cair, totalmente nas mãos da gravidade, chocando com certa violência contra o colchão. Só tive o trabalho de tirar os tênis e sem nenhuma resistência me entreguei ao sono.
            Tempo depois acordei com a chuva molhando meu rosto. Quando deitei não tinha percebido que a janela estava aberta. Na verdade, nem tinha percebido a própria janela. Me levantei para fechá-la quando escutei uma voz vindo da recepção. Atento ao que se passava, esqueci completamente da chuva que invadia o quarto. Não conseguia compreender o que era conversado, mas não era um diálogo comum. Uma das vozes estava bem alterada, trêmula e meio chorosa. As palavras eram ditas com uma rapidez que não me deixavam compreender uma frase sequer. Preocupado com a situação decidi ir até a recepção saber o que acontecia.
            Saí do quarto, nem fechei a porta. À medida que eu me aproximava a voz aumentava seu volume e sua inconstância. Comecei a ficar assustado, a apreensão e a curiosidade me obrigaram a acelerar os passos. Cheguei na sala, olhei para o balcão. O susto me paralisou completamente, deixando cada músculo do meu corpo sem reação. Permaneci ali alguns segundos, afogado naquela surpresa.



quinta-feira, 18 de julho de 2013

DIA 09

Era um novo mundo que se abria ali, na minha frente. Tinha chegado a hora de viver. A excitação que eu sentia naquele momento me fez esquecer quase por completo Clarice e tudo que se passou dentro do ônibus. Eu disse quase porque ela desceu atrás de mim e vinha mantendo um assunto qualquer que eu não me lembro qual. Olhava tudo e todos, como uma criança abrindo o pote de balas longe dos pais, podendo escolher a vermelha, a azul, verde, amarela, ou todas.
            A movimentação frenética daquele lugar me assustou um pouco. Muita gente, muita loja, pouco espaço. Me senti até um pouco sufocado, precisei sentar. Procurei a praça de alimentação e depois de algum tempo achei uma mesinha no fundo, desocupada. Ainda me restava um sanduíche na mochila, com fome, peguei-o para comer. Clarice ainda estava comigo, sentou na cadeira de frente.
- Tá tudo bem? Você tá calado, sei lá.
- Tá. Só tô cansado. Nunca tinha feito uma viagem tão longa. Quero ir pro hotel logo.
- Também tô. Preciso tomar um banho, deitar.
- É. Olha, acho que já vou. Você sabe onde posso pegar um táxi por aqui?
- Ah, mas já? Fica aí. Tem um lugar de videogames ali atrás, vamos jogar alguma coisa!
- Não, valeu. Quero descansar mesmo. E o táxi?
-Tá bom então – disse ela olhando para o chão, com uma certa frustração. – Então, os táxis ficam naquela entrada de lá – Apontou.
- Obrigado. Vou indo, tchau Clarice. Bom passeio! – Eu disse, estendendo a mão. Ela se levantou, deu um sorriso de canto de boca:
- Tchau! Prazer te conhecer. Espero que goste de Búzios, é legal.
- Vou gostar. Tchau. – Virei as costas e segui.
            Na minha mente esse último sorriso dela ficou gravado. Ocupando meu pensamento enquanto cruzava o saguão. Nunca mais a veria. Apesar de toda frustração era duro pensar nisso. A angústia que eu sentia no ônibus voltou, mais forte. Precisava pelo menos me despedir melhor dela, dar sinal de que sentiria falta, quem sabe até passar meu telefone. Não podíamos ser amigos? Lógico que sim! Dei meia volta e bem depressa, quase correndo, fui ao encontro dela.
            A terrível ideia de que ela pudesse não estar mais lá me fez literalmente correr, atropelando malas e arrancando xingamento das pessoas. Quando olhei para a mesa onde estávamos vi sua mochila repousada sobre a mesa. Estava lá, sentada, apoiando o rosto sobre a mão. Fui me aproximando, ela de costas, não percebeu minha presença. Vi que estava no telefone. Tive medo, mesmo assim decidi me aproximar mais.
- Ah não, amor! Você ainda vai demorar muito! Vem logo! Não aguento mais de saudade! – Foi o que ela disse ao telefone. Parei ali, não ia mais adiante com isso tudo. Não era o que eu queria, ser apenas um amigo. Não valia a pena correr o risco, não mesmo. Voltei ao meu primeiro caminho: os táxis.

Esperei algum tempo até encontrar um carro disponível. Quando chegou, entreguei o papel com o endereço do hotel para o taxista e me meti no banco de trás. Voltei a pensar no sorriso dela, na cena do telefone. Meu coração ficou apertado. Ignorei todos os momentos que tive ao lado dela, no ônibus, na rodoviária. Nem me importei se ela estava ali comigo ou não. Porque sempre na hora de largá-la de vez era aquilo tudo? Se não tivesse voltado lá a minha despedida não teria sido tão doída assim. Pelo menos tive mais alguns momentos para admirá-la.