A caminho do hotel fiquei revivendo
alguns momentos que passei com Clarice. A solidão que preenchia o espaço vazio
dentro do carro ameaçava estragar meus planos. Quando planejei viajar, não
contava com a presença de mais ninguém. Seria eu, apenas. Nem cogitei conhecer
alguém, muito menos senti a necessidade de ter companhia. Agora não era mais
assim. Aquela menina havia modificado tudo, e o vazio que antes era meu aliado,
se tornava o grande vilão.
Refém dos
maus pensamentos, nem percebi o quanto demorava para chegar ao hotel. Não tinha
noção de quanto tempo já havia se passado, só sabia que era muito. Já estava
incomodado de novo, queria logo chegar. Tentando procurar algum sinal do tal
hotel, comecei a reparar a cidade. Bem bonita mesmo, aconchegante. Com uma
atmosfera bem turística, como se tivesse sido feito apenas para os visitantes.
Isso me agradou, aliviou um pouco minha áurea ruim.
Alguns
minutos depois cheguei ao meu destino. Uma pousadinha bem simples, com
acabamento rústico e alguns móveis já gastos. Agradeci ao motorista, paguei o
que devia e entrei no hotel. A recepção era pequena, com um balcão de madeira
clara e um computador bastante amarelado. O quadro que guardava as chaves dos
quartos denunciavam os poucos aposentos que tinham o lugar. Achei melhor, nunca
gostei de tumultos.
- Boa noite, garoto. Tem reserva? – Perguntou a
recepcionista, cansada de esperar alguma manifestação da minha parte.
- Ah, sim. Boa noite! Fiz pela internet. – Entreguei o
comprovante eletrônico que me garantia o quarto. Voltei minha atenção novamente
para o lugar. Mirei umas poltronas velhas colocadas ao lado com uma mesinha de
centro recheada de revistas entre elas. No canto uma TV pequena sintonizava muito
mal um noticiário, sem nenhum telespectador naquela sala. Uma janelinha aberta
deixava uma corrente de ar entrar no ambiente, amenizando o calor abafado do
lugar.
- 101, nesse corredor à direita, tá vendo? – Falou a moça
apontando a chave para mim e indicando o lugar com uma mexida na sobrancelha.
- Sim, obrigado. – Peguei o chaveiro, forcei um sorriso para
parecer educado, o que não surtiu efeito, e fui para meu aposento.
Era um
lugarzinho pequeno, a cama coberta por um lençol azul claro, bem marcado pelo
excesso de uso e um travesseiro fino. Uma toalha posicionada no canto da cama,
com sabonete e um vidrinho de shampoo em cima. Na parede um suporte segurava
uma tvzinha menor ainda do que a da recepção. Ao contrário do que possam
imaginar, adorei o quarto. Aliás, a minha casa de hoje tem alguma inspiração
subjetiva nesse quartinho de hotel.
Cansado da
viagem, joguei a mochila na beira da cama e deixei meu corpo cair, totalmente
nas mãos da gravidade, chocando com certa violência contra o colchão. Só tive o
trabalho de tirar os tênis e sem nenhuma resistência me entreguei ao sono.
Tempo depois
acordei com a chuva molhando meu rosto. Quando deitei não tinha percebido que a
janela estava aberta. Na verdade, nem tinha percebido a própria janela. Me
levantei para fechá-la quando escutei uma voz vindo da recepção. Atento ao que
se passava, esqueci completamente da chuva que invadia o quarto. Não conseguia
compreender o que era conversado, mas não era um diálogo comum. Uma das vozes
estava bem alterada, trêmula e meio chorosa. As palavras eram ditas com uma
rapidez que não me deixavam compreender uma frase sequer. Preocupado com a
situação decidi ir até a recepção saber o que acontecia.
Saí do
quarto, nem fechei a porta. À medida que eu me aproximava a voz aumentava seu
volume e sua inconstância. Comecei a ficar assustado, a apreensão e a
curiosidade me obrigaram a acelerar os passos. Cheguei na sala, olhei para o
balcão. O susto me paralisou completamente, deixando cada músculo do meu corpo
sem reação. Permaneci ali alguns segundos, afogado naquela surpresa.
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