Faltam 10 dias. Fui e voltei da lanchonete pensando no
acontecimento daquela tarde, visualizava e interpretava as reações e caras de
Clarice ao saber dos meus reais sentimentos. Elaborava e tramava hipóteses,
tentando lutar contra a negatividade tão característica minha, mas que por aqueles
dias andava tão ausente que parecia ser sumido de vez. Os olhos dela se
arregalando vagarosamente ao ouvir minha declaração era a cena que mais mexia
comigo, me preocupava.
Tive a sensação de que ela não
esperava que isso fosse acontecer, pelo menos naquele momento. Minha
ingenuidade e timidez a faziam pensar que eu não seria capaz de cultivar algum
sentimento do tipo, e mesmo se cultivasse, não teria coragem de expor. Na
verdade ela tinha razão, eu não teria coragem de tudo isso mesmo, se não fosse
minha vontade de mudar tudo. Esse era meu novo norte, meu rumo.
Cheguei ao hotel, parei diante da
porta. Antes de abri-la tentei adivinhar o que aconteceria logo depois. Não
tinha mais o que ficar pensando, estava feito e agora precisava ser encarado.
De leve fui abrindo a porta, o breu característico de fim de tarde encortinava
o quarto e escondia tudo que havia lá dentro. À medida que abria a porta, a
pouca luz que vinha de fora iluminava o aposento, formando gradualmente a
silhueta dos móveis. Entrei e vi Clarice sentava na cama, com as pernas
cruzadas. Sua cabeça estava baixa, assim como os ombros. Quando percebeu minha
presença, ergueu de leve os olhos:
- Vem cá, senta aqui. - disse bem lentamente, quase soletrando cada
palavra. Deixei o lanche sobre a mesinha de canto e sentei ao seu lado na cama.
- Andei pensando no que você falou. Tava no banho, não
conseguia deixar de lado.
- Hum...olha, não tem problema se....
- Espera, deixa eu falar. – Falou com um tom meio ansioso,
impaciente talvez.
- Tá. – respondi meio desconcertado.
- Você foi super fofo comigo desde o começo. Lá no ônibus
mesmo, sempre me deu atenção e se preocupou comigo. Qualquer um tinha pulado
fora nas situações que eu te meti. Você não, ficou ao meu lado quando eu mais
precisei. Cuidou de mim sem nem me conhecer direito. – A essa altura eu já não
sabia mais o que pensar. Paralisado atrás da porta do quarto imaginei que ela
ignoraria a situação, tentasse contornar as coisas até que o assunto chegasse
ao fim naturalmente.
Mas não. Não era isso que estava
acontecendo. As palavras dela pareciam levar a situação a um rumo totalmente
inverso e me fazia tremer compulsivamente. Ela se aproximou, o calor do seu
corpo entrava em rota de colisão com o meu, até que suavemente os lábios dela
repousaram sobre os meus, fervilhando o sangue que corria em minhas veias. O
toque de nossas bocas me fez arrepiar. O atrito ia aumentando, os movimentos se
aceleravam e em poucos segundos nos beijávamos com intensidade. Os braços dela
envolviam meus pescoço, com a ponta dos dedos acariciava minha nuca onde
iniciava o couro cabeludo, algumas vezes segurando meu cabelo.
Fomos nos separando aos pouquinhos,
curtindo o fim daquele beijo. Antes de descolar nossas bocas, ela me deum
último beijo, de leve, um selinho. Olhou para mim, deu um sorriso bem:
- Você tá me fazendo muito bem – disse ela, repousando sua
cabeça sobre meus ombros.
- Você também – respondi, completando o abraço que ela
iniciava.
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